Eu trabalhava sozinha em um museu do interior, era o meu primeiro emprego. O prédio era da época dos engenhos e não tinha nenhum segurança. Nós guias ficávamos sozinhos. Certa tarde, enquanto eu estava sentada na varanda, comecei a escutar uns passos dentro da casa. Parecia que alguém caminhava arrastando correntes. Fui dar uma olhada e não vi ninguém. Olhei a porta do quintal e ela estava trancada. Voltei correndo para a varanda e esperei até o próximo guia chegar. Assim que ele chegou entreguei as chaves e disse que jamais voltaria para lá. E realmente não voltei. Procurei emprego em outro lugar. Eu não tinha medo de fantasmas, mas pensar que naquela casa poderia ter o espírito de um escravo me assustou. [1]
Este foi o relato que escutei de uma guia turística na época em que eu cursava o meu primeiro semestre do bacharelado em Arqueologia. Foi eu, muito curiosa, quem puxou o assunto sobre assombrações; perguntei se ela já tinha visto um fantasma e ela, depois de um aparente constrangimento, cotou-me este ocorrido. Apesar de jamais ter levado muitas destas narrativas a sério, eu sempre as achei fascinantes do ponto de vista de como o espaço de um sítio arqueológico desperta os mais diferentes sentimentos. Foi por conta disso que fiquei interessada pelo programa “Lugares Amaldiçoados” (I Wouldn’t Go In There, no original), da National Geographic. Apresentado pelo blogueiro e explorador urbano Robert Joe, o programa possui somente uma temporada e oito capítulos e em cada um ele viaja para lugares da Ásia, a maioria sítios arqueológicos.

Robert Joe
O interessante é que não se trata de um programa de “caçadores de fantasmas”, mas uma série de documentários sobre História, mais especificamente sobre lugares cuja história real se misturou a mitos de cunho fantasmagóricos. Mitos esses que muitas vezes não têm relação alguma com acontecimentos reais, mas somente com folguedos locais que ganharam grandes proporções. Entretanto, em sua jornada, Joe acaba mostrando para nós que a história real consegue ser mais sinistra do que as mais tenebrosas histórias de fantasmas. Um grande bônus para o show, que humaniza o passado de pessoas comuns.

Não é raro em trabalhos de campo nos depararmos com histórias de fantasmas e sinceramente não cabe a nós acadêmicos julgar se são verdadeiras ou não (ao menos não na frente do entrevistado). Certa vez escutei de um simpático senhor, o João, o relato de seu encontro com um lobisomem. Embora eu tivesse certeza que tal memória fosse o resultado do uso de alguma substância alucinógena — o próprio comentou que tinha fumado um cigarrinho para espairecer —, perguntei vários detalhes do tal encontro.

Um dos sítios visitados pelo programa.
Para alguns isso pode parecer banal, mas o imaginário popular de países e mesmo de estados diferentes tendem a criar fantasmas ou outras criaturas fantásticas de acordo com a percepção de determinados grupos sociais em relação ao seu meio. Além de explicar o surgimento de alguns medos e superstições.

Observemos, por exemplo, que em filmes de horror/terror europeus ou norte-americanos os fantasmas usualmente são vencidos por rezas cristãs, enquanto que em produções asiáticas, a exemplo do Japão, são rezas budistas. Ou questionemos o motivo dos fantasmas vingativos tenderem a ser mulheres [2].
É esta a beleza das histórias de fantasmas: elas contam muito mais sobre a nossa sociedade porque mostra não somente medos enraizados, mas os pontos de vista do senso-comum, além de, claro, paradigmas religiosos. Pensemos, por exemplo, no relato que compartilhei com vocês aqui no início deste post e dos motivos da guia ter interpretado que o fantasma seria justamente um escravo. Correntes arrastando no chão poderia ser tantas coisas diferentes…

Cena do filme Hellraiser 👻
Eu gostaria que “Lugares Amaldiçoados” tivesse tido mais temporadas, ou que o Joe tivesse investido em um blog ou vlog. Mas infelizmente na atualidade ele só se dedica a uma modesta conta de Twitter. Nem a página dele no Facebook é atualizada mais.
E você? Tem uma boa história de fantasma para compartilhar?
[1] Esta nota remetendo à memória da guia é o conceito geral do que eu consigo lembrar da nossa conversa.
[2] Infelizmente é devido a uma cultura plenamente sexista que sugere que, ao contrário dos homens, este gênero tende a ser vil.