Por Márcia Jamille Costa | @MJamille
Não é de todo errôneo afirmar que a Egiptologia nasceu com a intervenção militar de Napoleão no Egito em 1798, já que na ocasião em que este até então general francês esteve no Cairo ele criou o Instituto Francês do Egito que contou com o trabalho de pesquisadores de diferentes disciplinas, assim como artistas, cartógrafos e engenheiros para pesquisar e catalogar as evidências do Antigo e Egito Islâmico (BARD, 2007, pág 07). A campanha influenciou de fato, mas para alguns é tido como marco inicial da Egiptologia tal qual como a conhecemos a decifração dos hieróglifos pelo filólogo francês Jean-François Champollion em 27 de setembro de 1822, isto porque a Egiptologia tem como base primordial de estudo a decifração destes caracteres. Porém, apesar de primariamente filóloga, hoje para a formação de um egiptólogo não é totalmente necessário ser fluente em decifração de egípcio antigo, embora seja um grande bônus para quem planeja seguir a carreira. Isto ocorre justamente devido as especializações propiciadas pela ciência moderna, assim, se imaginarmos a situação de um Arqueólogo Experimental especialista em manufatura de ferramentas de bronze da XIX Dinastia perceberemos que dificilmente ele vai se ver na necessidade de compreender os hieróglifos, e caso seja mais do que necessário poderá agregar a sua equipe um filólogo especialista em egípcio antigo do Novo Império. Por este motivo é compreensível entender porque ultimamente o discurso para o arqueólogo egiptólogo esteja começando a ser o da busca por um trabalho em equipe.
A Egiptologia nos surgiu como uma “irmã mais nova” da Arqueologia Clássica – cujo estudo também está fortemente ligado a filologia – mas que estendeu com o tempo o seu objeto de estudo indo do período Pré-dinástico até a História Contemporânea do Egito. Embora se espere que o egiptólogo estude a sociedade no geral a Egiptologia ainda está fortemente focada no estudo da vida dos faraós (ou pessoas que tinham uma relativa importância econômica) onde está incluso o lado funerário (túmulos e múmias) e o estudo de textos que em parte foram feitos por uma minoria de privilegiados. Os campos para se alcançar esta ciência são plurais, os mais propícios (e inclusive comuns) são os graduandos[1] de áreas como Arqueologia[2] ou História apresentarem trabalhos de conclusão ligados ao tema em cursos devidamente reconhecidos pelo o Ministério da Educação (MEC) – no caso do Brasil -. Este procedimento também é comum em locais como a Espanha, país cujo papel na Egiptologia cada vez mais se tornar promissor. Esta possibilidade dá espaço para o pesquisador tornar-se egiptólogo, mas isto não é o bastante, ele precisa manter sua produtividade acadêmica com a elaboração de artigos e projetos.
A Egiptologia é um trabalho admirado por muitos, o que gera certo assédio, desta forma não é incomum encontrarmos livros, documentários, entrevistas ou textos de revistas com temas contraditórios, sensacionalistas ou supérfluos na busca de abastecer o afamado mercado da “Egiptomania” o que não raramente desvirtua o público da real razão desta ciência. A importância desta ciência no debate da história da humanidade está em, dentre tantos aspectos, no fato de estudar as sociedades em si tentando entender as relações plurais entre os indivíduos e a forma como eles poderiam estar observando o seu entorno. Não é certo dizer que a Egiptologia busca a verdade, mas sim elucidar questões cujas respostas podem variar de acordo com as correntes de pensamento onde nestas estão inclusas valores morais do ambiente de convívio do pesquisador e a valorização de determinados tipos de artefatos tidos como “mais importantes”, como um sarcófago ou uma pirâmide, embora isto não seja o ideal. Poucos são os alunos que se interessam em estudar os assuntos menos populares uma vez que muitos entram para o ramo da Egiptologia por amor a um determinado tema, ou seja, não é difícil notar que fãs da história de Cleópatra VII tenham interesse em levar a cabo artigos e conclusão de curso com temas relativos à rainha. Não que isto seja negativo, mas pode gerar um empobrecimento em termos de variação do conhecimento para a Egiptologia nacional.
Seja qual for a formação base do pesquisador da área da Egiptologia (Arqueologia, História, Arquitetura, Artes, Literatura, etc), basicamente o seu interesse de estudo estará agregado aos objetos e pessoas relativos ao Egito. Esta disponibilidade das várias áreas de formação é o que dá para esta ciência social um teor mais plural, embora algumas instituições se mostrem ainda muito introspectivas. Vários países que não possuem uma longa tradição na Egiptologia (ao contrário da França, Alemanha ou Inglaterra que são grandes centros formadores) estão começando a formar pesquisadores, o Japão é um deles, assim como o México e a República Dominicana (dentre outros). O Brasil parece ainda tímido, embora existam egiptólogos formados ou em formação, mas que não seguiram carreira ou que se dedicam a outras áreas para abarcar como sustento, a exemplo de arqueólogos e historiadores que não raramente se dedicam a Arqueologia de Contrato (para os primeiros) ou ao ensino de História (para os segundos).
É importante para quem se interessa em trabalhar com Egiptologia que procure iniciar seus estudos de modo formal, já que a Universidade é um dos veículos que podem ajudar com as instituições de fomento para as pesquisas. A língua estrangeira é extremamente necessária, principalmente porque os principais livros do ramo estão em inglês (assim como em francês e alemão), língua falada por muitos egípcios inclusive. Trabalhar neste ramo pode ser uma grande batalha não só para brasileiros, muitos estrangeiros também sofrem com a ausência de auxílio financeiro para os seus estudos ou um espaço para trabalhar em escavações. Desta forma uma das maiores dicas para quem deseja se empenhar na área é manter o seu objetivo de estudo e ficar de olho nas oportunidades, e o mais importante que é lembrar que os demais estudantes e pesquisadores não são seus concorrentes, mas seus colegas. Para os amadores interessados em conhecer mais sobre as pesquisas participem mais dos eventos que são lançados aqui no Brasil, o Arqueologia Egípcia normalmente anuncia alguns dos eventos que ocorrem pelo país, e em caso de dúvida sobre a formação do palestrante exija seu currículo. Estamos em uma época em que não há mais desculpas em ter uma formação deficiente e os cientistas brasileiros já possuem a capacidade de se aprimorar e levar esta ciência no nosso país a um patamar mais alto.
[1] Ou uma pós-graduação.
[2] Espaço relativamente novo no Brasil, a despeito do antigo curso de Arqueologia na Estácio de Sá que foi fechado em poucos anos. Para ver uma lista dos novos cursos clique aqui.
Fonte:
BARD, Kathryn. Encyclopedia of the Archaeology of Ancient Egypt. 1ª Edição. Londres: Routledge, 1999.
BARD, Kathryn. An Introduction to the Archaeology of Ancient Egypt. 1ª Edição. Blackwell, 2007.
TRIGGER, Bruce. História do Pensamento Arqueológico. 1ª Edição. São Paulo: Odysseus, 2004.