Crianças no Antigo Egito

Por Márcia Jamille | @MJamille | Instagram

A relação entre os egípcios adultos e suas crianças, especialmente aquelas de fora da enseada da realeza, ainda nos é nebulosa. Dentre algumas características gerais é determinado que na estatuária ou iconografia elas usualmente fossem representadas pondo o indicador na boca ou menor que as demais figuras, embora pareçam representar pessoas mais maduras.

Ramsés II representado como uma criança chupando o dedo. Foto disponível em < http://www.panoramio.com/photo/8724911 >. Acesso em 12 de outubro de 2014.

Do lado mais espiritual, a crença ditava que era a deusa da escrita Seshat quem definia por quantos meses ou anos a criança viveria, mas que existiam vários males que estariam na espreita esperando uma brecha dos pais (STROUHAL, 2007). Por outro lado, havia varias rezas e amuletos que poderiam servir para proteger a criança tanto de doenças como de mortes trágicas.

Além destas informações temos conhecimento, também gerais, de outros aspectos da vida infantil e que envolvem desde o lado lúdico mais a vivência no âmbito familiar e até a morte.

Brinquedos:

O arqueólogo inglês Flinders Petrie durante suas pesquisas descreveu artefatos que julgou serem brinquedos, tais como bonecas representando mulheres segurando seus bebês, animais comuns na antiga paisagem egípcia, barquinhos, bolas (feitas de tecido, papiro ou couro, recheadas com palha) e até pequeninas múmias em seus ataúdes (STROUHAL, 2007), mas as brincadeiras poderiam ser diversas e contavam muito com a criatividade e a imaginação infantil. Madeira, pedras e até plantas podiam proporcionar muito divertimento, fruto da engenhosidade que podemos notar até nas crianças da atualidade.

Princesa amarniana em jardim. STROUHAL, Eugen. A vida no Antigo Egito (Tradução de Iara Freiberg, Francisco Manhães, Marcelo Neves). Barcelona: Folio, 2007. pág. 7.

Além dos brinquedos, elas se distraiam com jogos frívolos como testar seu equilíbrio (sobre tábuas ou sobre os ombros dos seus próprios amigos), corrida, brigas, danças, natação e o conhecido “pisar nas uvas” que consistia em se dar as mãos fazendo um círculo, como em uma ciranda, e girar: enquanto algumas crianças ficavam de pé outras eram levadas ao chão, mas sem tocá-lo totalmente.

Garotas brincando de “pisar nas uvas”. STROUHAL, Eugen. A vida no Antigo Egito (Tradução de Iara Freiberg, Francisco Manhães, Marcelo Neves). Barcelona: Folio, 2007. pág. 26.

Trabalhos e obrigações:

A partir dos cinco anos as crianças já começavam a ser treinadas para o trabalho, exercendo diferentes funções, dependendo do que se esperava dela, indo das mais simples até as mais complexas com a passagem dos anos. Entretanto, uma carta da 18ª Dinastia (Novo Império) nos alerta que crianças deveriam ser tratadas de fato como crianças ao reprimir uma família que tomou uma menina jovem como funcionária (FROOD, 2010). Não era incomum também que as crianças herdassem as atividades dos pais, por exemplo, filhos de sacerdotes tendiam a assumir postos semelhantes, ou em caso de oferendas familiares que eram levadas a diante pelos filhos (FROOD, 2010; SPENCER, 2010).

Adultos e crianças trabalhando. STROUHAL, Eugen. A vida no Antigo Egito (Tradução de Iara Freiberg, Francisco Manhães, Marcelo Neves). Barcelona: Folio, 2007. pág. 36.

Vestimenta:

As crianças egípcias raramente eram representadas vestidas. O normal, tanto entre as classes comuns como entre a realeza, eram os infantes viverem nus e descalços (FROOD, 2010). Como uma assinatura de sua infância tanto meninas como meninos usavam um corte de cabelo especifico, constituído por uma cabeça praticamente raspada, exceto por uma mecha lateral comprida (usada normalmente até os dez anos). Em casos especiais, como os das princesas ou príncipes que eram obrigados a chegar à maioridade devido à acessão ao trono, estes eram representados como adultos, ou seja, totalmente carecas, usando perucas ou com os cabelos integralmente crescidos.

Pai na companhia de suas filhas. TROUHAL, Eugen. A vida no Antigo Egito (Tradução de Iara Freiberg, Francisco Manhães, Marcelo Neves). Barcelona: Folio, 2007. pág. 25.
Tutankhamon quando criança representado com vestimentas de um adulto, já que era um faraó. Disponível em < http://www.griffith.ox.ac.uk/gri/carter/gallery/p0686als.html >. Acesso em 20 de Novembro de 2011.

Alimentação:

Durante o século I a.E.C, o historiador grego Diodoro Sículo escreveu que “(…) até o momento de seu completo crescimento, a criança não custa aos pais mais que vinte dracmas” (STROUHAL, 2007, 25) e este talvez seja um quadro semelhante para os tempos mais pretéritos.

Após o seu nascimento esperava-se que a criança fosse alimentada com o leite materno o máximo quanto fosse possível. A literatura indica que em alguns casos elas poderiam ser alimentadas até os três anos. Durante este período algumas crianças estavam livres de morrer por infecções, contudo, em alguns casos, a morte vinha a ocorrer devido a uma falta de adaptação durante a troca do leite materno para outro tipo de alimentação que usualmente era constituída por talos de papiro, pão e cerveja (STROUHAL, 2007).

Morte:

Observando os registros arqueológicos vemos que aparentemente as crianças que tinham mortes prematuras, especialmente as natimortas ou falecidas ligeiramente após o evento do parto, não possuíam um túmulo exclusivo para elas, sendo sepultadas com a mãe ou o pai, dependendo de quem falecia primeiro. Contudo, ao menos fora da realeza, existem situações em que o corpo era posto em um recipiente de barro e sepultado ao lado da casa ou dentro dela. Supostamente em casos particulares, quando a família não conseguia estabelecer uma ligação fraternal com a criança falecida, o corpo era deixado nos limites do deserto ou jogado no Nilo, para ser devorado pelos animais (STROUHAL, 2007).

Observando algumas múmias remanescentes é possível notar que o zelo no embalsamamento que foi dado para os adultos foi transmitido para os infantes (STROUHAL, 2007), mas isto para aqueles cuja família tinha condições de pagar. Para as crianças mais pobres nos restam somente alguns ossos frágeis. A diferença é notada também no involucro: as abastardas eram sepultadas em pequenos ataúdes de madeira ou de ouro (como foi o caso das filhas de Tutankhamon), já as carentes tinham como proteção ou já citados potes de barro, tecidos ou esteiras de palmeiras. Já o espólio funerário era composto de amuletos, jarros e brinquedos (STROUHAL, 2007).

No lado direito está uma caixa destampada com os dois pequenos ataúdes que guardavam os corpos dos dois bebês (provavelmente filhas de Tutankhamon) encontrados na KV-62. Foto disponível em < http://www.vazyvite.com/html/egypte/egypte_luxor3.htm >. Acesso em 12 de outubro de 2014.

Referências:

Frood, Elizabeth. Social Structure and Daily Life: Pharaonic. In: LLOYD, Alan, B (Ed). A Companion to Ancient Egypt. England: Blackwell Publishing, 2010.

Spencer, Neal. Priests and Temples: Pharaonic. In: LLOYD, Alan, B (Ed). A Companion to Ancient Egypt. England: Blackwell Publishing, 2010.

STROUHAL, Eugen. A vida no Antigo Egito (Tradução de Iara Freiberg, Francisco Manhães, Marcelo Neves). Barcelona: Folio, 2007.