Por Márcia Jamille Costa | @MJamille | Instagram
A história da descoberta da tumba do faraó Tutankhamon é quase mitológica: ela foi encontrada no Vale dos Reis pelo arqueólogo inglês Howard Carter que, por quase uma década, estava na esperança de fazer uma grande descoberta. Isso dependendo do dinheiro e da paciência do seu mecenas, Lord Carnarvon, um nobre inglês que, a essa altura, já tinha dado um ultimato ao pesquisador, deixando claro que aquele ano seria o último da busca.
Coincidentemente, após quatro dias de iniciados os trabalhos, em 04 de novembro de 1922 o primeiro degrau da sepultura, identificado mais tarde pelo número tombo 433, foi encontrado (JAMES, 2005). E quando a primeira câmara foi aberta em 26 de novembro e os artefatos vislumbrados pela primeira vez em 3 mil anos, já estava claro que aquela seria considerada uma das maiores descobertas arqueológicas do século. Claro que como tudo o que chama atenção uma série de especulações começaram a surgir.
Ataúde de Tutankhamon.
Primeira câmara da tumba com os artefatos ainda em seus lugares originais. Foto: Harry Burton.
Enquanto eu escrevia o meu livro, “Tutankhamon, 1922 e o Vale dos Reis”, eu soube de algumas delas. Uma era a de que Carter teria recebido uma dica da localização da tumba por parte de um homem da família Abd-el-Rassul, famosa por roubos de sepulturas. A denúncia foi realizada pelo o próprio filho desse homem, Housein (MULLER; THIEM, 2006). Uma acusação infundada, afinal, a tumba estava completamente oculta por cascalhos e cabanas de operários datadas do Período Faraónico. Era simplesmente impossível alguém saber da existência do túmulo.
Agora em 2016 foi lançada uma matéria no El Mundo intitulada El niño que descubrió la tumba de Tutankamón (O garoto que descobriu a tumba de Tutankhamon). Garoto esse que a reportagem revela mais tarde ser o Housein. De acordo com a notícia, um homem chamado Mohamed Abd-el-Rassul afirma que foi seu avô, o Housein, quem encontrou o sepulcro enquanto levava água para membros da expedição.
De fato, o menino Housein encontrou o primeiro degrau, isso não é segredo (os livros mais completos sobre a história da descoberta não deixam de citá-lo, inclusive), mas ele não deve levar todo o crédito de ser o responsável por encontrar a tumba. Quando analisei os registros de Carter foi possível observar que ele anotava tudo o que considerava relevante sobre os trabalhos do dia, inclusive sobre como separou o Vale em seções e deu a ordem aos trabalhadores para que escavassem até a rocha. Também é conhecido que era (e ainda é) um costume os arqueólogos que trabalham no país raramente efetuar as escavações com as suas próprias mãos, deixando que esse seja o papel dos auxiliares[1] (o que sou totalmente contra), logo, se não fosse o menino, qualquer outra pessoa da equipe limpando a área encontraria o degrau. Não foi por perspicácia ou conhecimento prévio que ele encontrou a escada, ele só estava no lugar certo na hora perfeita.
Housein usando um dos colares de Tutankhamon (clique aqui para conhecer a história por trás dessa foto). Foto: Harry Burton.
Para homenagear Housein os seus descendentes criaram um mini museu para resgatar a sua memória. Não existe nada de errado nisso, até porque a arqueologia egípcia é extremamente injusta com os nativos e o Housein deve ser sim rememorado, mas não da forma como estão o vendendo: a imagem de uma pessoa com um conhecimento prévio da localização da tumba e injustiçado pela história.
Saiba um pouco mais sobre o faraó Tutankhamon:
Referências bibliográficas:
ALLEN, Susan J. Tutankhamun’s Tomb: The thrill of discovery. New York: Metropolitan Museum of Art, 2006.
JAMES, Henry. Tutancâmon (Tradução de Francisco Manhães). Barcelona: Folio, 2005.
MULLER, Hans Wolfgang; CRESCIMBENE, Simonetta. Egito. (Tradução de Leila Mascioli). São Paulo: Manole, 1998.
REEVES, Nicholas. The Complete Tutankhamun. London: Thames & Hudson, 2008.
El niño que descubrió la tumba de Tutankamón. Disponível em < http://www.elmundo.es/cronica/2016/04/17/57122f87ca4741f0148b463d.html >. Acesso em 18/04/2016.
[1] Os auxiliares sempre são egípcios contratados para retirar a areia do local e mesmo para efetuar a própria escavação arqueológica.