Uma breve reflexão acerca da descoberta da KV-62 e sobre o próprio Tutankhamon
Por Márcia Jamille Costa | @MJamille
A ciência, como conhecemos hoje, passou por várias etapas em termos metodológicos. Após anos de divagações ela tornou-se o sinônimo de certeza para as pessoas, mas é preciso explanar que a ciência pode, muitas vezes, não ser neutra. Momentos sócio-políticos podem delimitá-la ou usá-la para os mais variáveis fins. Desta forma, com a ciência Arqueologia não foi, e não está sendo, diferente. Ano após ano, vemos interpretações diferentes para os mesmos vestígios e não raramente com pesquisadores diferentes a frente das novas hipóteses.
Após a invasão de Napoleão e a dominação inglesa, o nordeste da África era agora palco de disputas européias para saber quem conseguia o melhor artefato, com o fim de levar para o seu país de origem um pedaço da história antiga, assim, a Arqueologia entrou no Egito no momento em que a Europa procurava dominar para si os países “atrasados”, mas que possuíam na veia os primórdios das civilizações. Fora, em parte, do enlaço político, ricos e aventureiros buscavam no Egito uma forma de extravasar o seu dinheiro ou conhecer os mistérios que rondavam a antiguidade, para isto, contratavam arqueólogos experientes para procurar túmulos ou eles mesmos saiam na busca por tesouros do deserto para expô-los em suas galerias fechadas ou em museus suntuosos. Olhando assim, não seria uma afronta afirmar que, para muitos magnatas e nobres do século XIX, a Arqueologia era um esporte a ser praticados em países quentes, exóticos e subdesenvolvidos.
Neste meio tempo, no início do século XX, um arqueólogo inglês descobriu o túmulo real, praticamente intacto de um faraó que tinha falecido com não mais que 18 ou 19 anos, Tutankhamon. A abertura do seu sepulcro e a revelação para o mundo do que existia ali dentro, fez mudar na forma de como os nativos egípcios tratavam sua cultura material da era faraônica. Não mais os artefatos poderiam sair do Egito, a idéia de que o escavador estrangeiro poderia levar seus achados para seu país natal agora era algo impensável e anacrônico: ironicamente, foi este mesmo achado quem acabou emprestando glamour à Arqueologia Egípcia e criando nela ainda um fascínio maior para a caça ao tesouro. Ocorrida no dia 04 de Novembro de 1922, esta descoberta foi o estopim para que o governo egípcio acordasse para a proteção dos seus bens culturais. Hoje, quase nove décadas após a descoberta da tumba de Tutankhamon pelo o arqueólogo inglês Howard Carter, muita coisa mudou para a Arqueologia Egípcia: as descobertas estão sendo anunciados em sites – muitas vezes atualizados pelos os próprios arqueólogos -, foram criados jogos cada vez mais educativos para crianças, são elaborados ambientes virtuais que imitam sítios arqueológicos e exposições itinerantes visitam vários países não só da Europa ou América do Norte, mas pelo o mundo todo.
É de se orgulhar que tenhamos evoluído tanto, mas como evolução não quer dizer propriamente perfeição, noto que ainda temos muito ao que nos dedicar, principalmente em prol do novo intuito da Arqueologia, que é trabalhar pelo o social. Nesta data que estamos relembrando hoje nós curiosos, historiadores e arqueólogos devemos também parar e refletir sobre as pesquisas acerca dos artefatos encontrados naquela época.
Desde a descoberta da tumba de Tutankhamon, o grande público tem sido bombardeado com histórias que não raramente são cheias de intrigas. Documentários muito bem elaborados, mas que trazem mais uma e “revolucionaria” “conclusão” para a morte de Tutankhamon. Porém, não é “revolucionaria” porque em nada mudará nossas vidas, e tão pouco “conclusão” porque sempre sabemos que nos próximos anos alguém virá com mais uma hipótese. Será que o mais importante é descobrir a verdadeira causa da morte de Tutankhamon ou tentar entender quem ele realmente era e a sociedade a qual pertencia? Cada vez mais colegas estão se entregando ao entretenimento e se jogando no mesmo turbilhão em que a impressa da década de vinte estava envolta, criando qualquer caso sobre a tumba deste rapaz falecido em 1322 a.C com o fim de ganhar dos seus leitores algumas gordas migalhas de pão.
Espero que estas breves palavras sirvam para a reflexão, não precisamos cometer mais erros com a pessoa de Tutankhamon, não é necessário expô-lo a qualquer preço para vender algum livro ou documentário, se continuarmos praticando isto estaremos incorrendo as mesmas falhas daqueles arqueólogos do século XVII, XVIII e XIX que buscavam tesouros, não pessoas e atos, para expor para a sociedade em galerias de museus. É como se aprisionássemos um animal feroz para o deleite do público, mas não fizéssemos as pessoas raciocinar sobre a biologia daquele ser que está enjaulado.
O vídeo abaixo mostra um pouco de como foi o ambiente da descoberta da tumba e alguns comentários acerca do faraó:
Algumas das fotográficas feitas por Harry Burton (fotógrafo oficial da equipe) após Carter abrir a tumba. Clique na imagem com o botão direito do mouse e use o comando “Abrir link na Nova Guia”, para sua melhor navegação pelas fotos:
Abaixo links de algumas matérias já publicadas aqui relacionada a Tutankhamon:
10 coisas sobre Tutancâmon
Tutankhamon (Tutancâmon) reinou durante cerca de uma década durante a XVIII Dinastia (Novo Império). Seu túmulo foi encontrado praticamente intacto em 1922 pelo o arqueólogo inglês Howard Carter e desde então qualquer descoberta relacionada a ele vira um furor na mídia mundial.
Apesar de ser uma das figuras faraônicas mais conhecidas, perdendo somente para a rainha Cleópatra, muitas coisas sobre a sua vida é desconhecida pelo o grande público, mas algumas delas listei abaixo:
https://arqueologiaegipcia.com.br/2010/09/15/10-coisas-sobre-tutancamon/
Algumas palavras sobre Ankhesenamon
Embora seja ainda tão ignorada pelo o meio acadêmico, ritualisticamente e administrativamente Ankhesenamon toma papeis importantes durante e após o reinado do esposo. Ela, em termos religiosos, é em parte a essência de Tutankhamon e quando este morre a governante participa ativamente dos ritos de passagem do marido para a vida após a vida. Sua imagem está em muitos lugares dentre os artefatos da KV-62, assim, quando unimos esta situação ao fato de que Tutankhamon era um colecionador de lembranças e levou consigo todas as coisas que mais apreciava, não seria incomum que ele levasse também tantas imagens de sua dúplice e consorte.
https://arqueologiaegipcia.com.br/2010/10/28/algumas-palavras-sobre-ankhsenamon/
(Imagem) Artista esboça relevo de templo
A artista do Arquivo Epigráfico do Instituto Oriental da Universidade de Chicago esboça os detalhes de um relevo da época de Tutankhamon. O principal intuito deste trabalho é documentar de forma precisa as inscrições e desenhos das paredes dos santuários para que sirvam como base para a interpretação em tempos futuros caso a documentação original se perca. Foto: Instituto Oriental da Universidade de Chicago (Divulgação).
https://arqueologiaegipcia.com.br/2010/10/12/imagem-artista-esboca-relevo-em-templo/
Como desenhar o rei Tut (Para crianças)
Encontrei este material em um site estrangeiro e sinceramente achei bem interessante já que ensina para as crianças como desenhar o faraó Tutankhamon.
De acordo com a pesquisa publicada pela a professora Raquel Funari em seu livro “Imagens do Egito Antigo: Um Estudo de Representações Históricas” (São Paulo: 2006, Annablume: Unicamp) este faraó é a segunda personalidade egípcia, perdendo para a Cleópatra, a ser reconhecida pela a criançada, então, em uma aula sobre antigo Egito seria bem divertido contar com esta boa atividade em sala.
https://arqueologiaegipcia.com.br/2010/11/10/como-desenhar-o-rei-tut-para-criancas/
O funeral de Tutancâmon (comentários)
Desde que a tumba de Tutankhamon foi encontrada em 1922 o frenesi sobre a sua descoberta despertou a curiosidade de vários espectadores, alguns dos quais simples curiosos que pouco sabiam sobre a Arqueologia ou de quem se tratava Tutankhamon, mas que estavam dispostos a visualizar aquele universo tão misterioso que era a de uma tumba milenar intacta e cheia de tesouros. Este faraó falecido em 1322 a. C. desperta ainda hoje o interesse de muitos por sua morte tão prematura e os artefatos (a maioria feito de ouro e pedras semipreciosas) encontrados na sua tumba. Esta curiosidade nada acanhada tem se tornado cada vez mais freqüente desde que as primeiras imagens de seu espólio funerário foram lançadas ao mundo, fazendo assim com que o interesse por esta figura antiga esteja cada vez mais gritante. Este fato está refletido mais fortemente nos muitos documentários veiculados por canais fechados onde uma simples menção ao nome do “faraó-menino” está sendo obrigatória. Indo de acordo com a moda da “Tutmania” é onde entra o documentário “O funeral de Tutancâmon” (“Burying King Tut” no original, ano de lançamento 2009) da National Geographic.
https://arqueologiaegipcia.com.br/2011/10/10/o-funeral-de-tutancamon-comentarios/