Por Márcia Jamille | @MJamille | Instagram
Estas palavras não são minhas, são do Jonathan Jones, jornalista do The Guardian. Ele as proferiu em seu artigo intitulado Tutankhamun does not deserve this 21st-century desecration [1]. Foi o único, entre tantos, que vi criticar em matéria a nova reconstituição do faraó Tutankhamon, desta vez assinada pela BBC, Tutankhamun: The Truth Uncovered (2014), e a qual ele denominou como “grosseira e vulgar”. Faço minha as palavras dele:
Novos métodos de escaneamento e imagens digitais oferecem novas maneiras de ficarmos dentro das múmias egípcias e outras relíquias biológicas, dando face, carne e mesmo órgãos internos para os mortos. Mas igual a qualquer avanço científico, estas técnicas precisam ser usadas com inteligência e sensibilidade. A realização de uma autópsia virtual altamente promovida em Tutankhamon não é uma investigação sensível com a vida, que nos ajuda a imaginar e entender o passado. É um mórbido show de horrores que reduz o mistério deste faraó uma vez esquecido e seu magnífico túmulo em um grosseiro e vulgar material de entretenimento (Tradução nossa).
A BBC está vendendo o seu documentário como uma amostra da verdadeira face de Tutankhamon, extraída de uma autópsia digital de ponta, o que há de mais moderno em tecnologia. Mas aonde vimos algo parecido? Em 2005 quando fomos apresentados para a “real” face de Tutankhamon, ao lado da genuína causa da sua morte que teria sido uma infecção desenvolvida em um ferimento em sua perna. Ou em 2002 quando também nos mostraram o “autêntico” rosto de Tutankhamon e sua terrível morte por assassinato, uma teoria já apresentada anos antes, mas que não tinha tido uma “comprovação” forense.
A cada ano estamos (nós público e até mesmo cientistas) incutindo em novos erros em ajudar a propagandear o entretenimento acerca das mazelas que supostamente abateram o faraó Tutankhamon. Estamos levando a diante um mito sobre outro mito a fim de produzir documentários cada vez mais novelísticos, sensacionalistas vestidos como “fidedigno” e cientifico e cada vez mais estamos deixando que seja jogada fora a humanidade de muitos dos nossos mortos, a exemplo do próprio Tutankhamon.
É difícil explicar para o público comum porque muitos desses documentários têm tantas falhas, uma vez que o senso comum acredita fielmente que o que é apresentado é ciência. Os métodos não deixam de ser científicos, mas outros fatores são ignorados, como, por exemplo, o corpo de Tutankhamon passou por um processo tafonomico cruel. A palavra “tafonomia” é estranha para muitos, mas explicando de forma simples tem a ver com as atividades que ocorrem com o corpo após seu sepultamento. No caso do faraó em questão ele foi carbonizado pelos óleos e resinas, o que torna equivocado falar de uma deficiência no seu pé esquerdo e até mesmo a retirada de amostras decentes de DNA para a análise, mas ninguém explicou isto para os espectadores da National Geographic em 2010, quando anunciaram a resposta “conclusiva” para as linhas de parentesco dele e a nova causa “definitiva” da sua morte, a malária.
Somado a isto existe muito dinheiro rondando a imagem de Tutankhamon, não é barato produzir um documentário sobre ele. A Arqueologia hoje tornou-se um bem de consumo e por isso da importância de que seus documentários viralizem. Só para vocês terem uma ideia do quão descabida tornaram-se as pesquisas sobre a causa da morte de Tutankhamon, deem uma olhada nesta modesta lista [2]:
☥ Década de 1920: tumor cerebral;
☥ 1968: golpe na cabeça;
☥ 1993: atropelamento;
☥ 1999: golpe na cabeça, assassinato;
☥ 2002: golpe na cabeça, assassinato. Primeira reconstituição facial;
☥ 2005: ferida infeccionada no joelho esquerdo;
☥ 2010: malária; possível osteonecrose; anemia falciforme;
☥ 2012: epilepsia;
☥ 2014: Deficiência no pé esquerdo.
Dito isto, o que será que teremos para o ano que vem?
[1] Tutankhamun does not deserve this 21st-century desecration. Disponível em < http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/oct/21/tutankhamun-desecration-computer-scan-images-pharoah-archaeological >. Acesso em 22 de outubro de 2014.
[2] Mais uma teoria para Tutankhamon. Disponível em < https://arqueologiaegipcia.com.br/2010/06/25/mais-uma-teoria-para-tutankhamon/ >. Acesso em 22 de outubro de 2014.