Por Márcia Jamille Costa | @MJamille
Quando descobriu uma tumba de faraó praticamente intacta em 1922, Howard Carter desencadeou uma onda de furor em volta do sepulcro, principalmente no que diz respeito ao seu dono, Tutankhamon, falecido a mais de 3.000 anos e que desperta curiosidades acerca não da sua vida e sim da sua morte.
Tutankhamon assumiu o trono com cerca de nove anos entre 1333 e 1323 a.C (Novo Império; XVIII Dinastia) e graças ao seu óbito prematuro aos 18 ou 19 anos muito tem se divagado sobre o motivo que levou seu falecimento. Dentre os que um dia foram divulgados já vimos sua morte oscilar entre atropelamento, assassinato na calada da noite e até anemia falciforme (Veja mais em Mais uma teoria para Tutankhamon).
Não bastasse a já extensa lista de mortes que foram propostas para Tutankhamon, o cirurgião Hutan Ashrafian, do Imperial College de Londres (Grã-Bretanha), resolveu também lançar seu parecer. De acordo com ele o rapaz teria epilepsia, mal que teria sido sofrido inclusive pelos parentes do governante. No entanto, em termos de Arqueologia, todas as provas do médico possuem base frágil. Ele se apoia em imagens do faraó e de membros de sua família como Smenkhara, Akhenaton, Amenhotep III e até Tutmés IV, assim como o período de morte deles onde ele aponta que curiosamente do membro mais velho (no caso Tutmés IV), até o mais novo (o Tutankhamon), a expectativa de vida decaiu. Ele acredita que Tutankhamon e seus antecessores sofriam de uma epilepsia que se origina no lóbulo temporal, que gera liberações de hormônios e intervém no desenvolvimento sexual. Esta é uma característica hereditária e também explica porque os rapazes desta família, incluído o próprio Tutankhamon, possuíam características fortemente andrógenas como coxas grossas e seios proeminentes.
Ashrafian salienta que as mortes destes faraós sempre foram analisadas individualmente e não como um grupo familiar (o que neste caso permitiu enxergar o transtorno hereditário). Este tipo de epilepsia, ainda de acordo com ele, gera alucinações, em especial quando o paciente está exposto ao Sol e isto explicaria porque das experiências de visões religiosas (que seriam as alucinações provocadas pela doença) que de acordo com Ashrafian teriam sofrido alguns destes homens, em especial Akhenaton, reconhecido por enaltecer o “Disco Solar”, Aton.
O médico conseguiu também uma justificativa para a perna fraturada de Tutankhamon, que teria como razão os espasmos de um ataque epilético.
Na matéria em que é divulgada a sua teoria o médico não explica uma linha direta entre a doença e a morte do faraó, mas aqueles que possuem a epilepsia podem vir a óbito através da morte súbita [2].
Embora seja um profissional da sua área, Hutan Ashrafian tentou realizar o trabalho de um bioarqueologo, e um bioarqueologo trabalha com contexto arqueológico, o que justamente não foi feito por Ashrafian. Desta forma, sua proposta, embora boa, possui falhas e são elas:
(1) A androgenia destes faraós: É bem mais provável que o corpo feminino destes faraós seja de teor religioso do que de fato uma patologia. Akhenaton e Tutankhamon, os que mais possuem artefatos deste tipo, foram representados com coxas roliças e seios proeminentes, no entanto, também foram representados com um corpo masculino considerado normal para os nossos padrões estéticos. Ambos eram adeptos do culto a Aton, que possuía propriedades femininas e masculinas, assim, já se destacou que isto teria sido uma forma de mostrar o poder dual do faraó onde tanto o feminino como o masculino é necessário para a criação, o que explicaria também porque ambos deram tanto poder de destaque (inclusive mais do que o comum) para as suas “Grandes Esposas Reais” e no caso do Tutankhamon a esposa dele chega a ser a sua guia por sua viagem espiritual quando ele está falecido. Outro exemplo é a faraó Hatshepsut que se fez mostrar como homem, acontecimento que também tinha aspiração religiosa (já que de acordo com o decoro egípcio o país, para não entrar no caos, deveria ser reinado por um casal real representado pelo Faraó e a “Grande Esposa Real”), mas ninguém trata isto como patologia.
(2) Morte prematura na casa real: Independente da idade em que estes homens faleceram, é importante lembrar-se da expectativa de vida (que embora totalmente generalista ainda assim passível de ser aplicada) no Egito Antigo onde a média era viver até cerca de 40 anos [1], desta maneira, nem mesmo a morte de Tutankhamon com 18 ou 19 anos foi tão “dramática” assim.
[3] Teria mesmo Akhenaton experimentado uma “visão religiosa”?: Na época em que este faraó viveu parte dos tributos da população iam para os celeiros dos sacerdotes da capital Tebas, cujo padroeiro era Amon. Akhenaton tomou então a medida exclusiva de realizar a mudança da sede do país para outra cidade, montando um novo clero para outro deus, Aton. Embora os Hinos de Aton apontem que Akhenaton teve uma inspiração religiosa é necessário pragmatismo para reconhecer que a sua “inspiração” pode ter sido nada menos que jogada política.
[4] A doença hereditária não pode ser comprovada: Esta provavelmente foi a falha mais importante, uma vez que não será possível comprovar a epilepsia já que não existe uma prova genética definitiva para ela [2].
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Fonte para a matéria: [3] Nueva teoría afirma que Tutankamón murió de epilepsia. Disponível em < http://diario.latercera.com/2012/09/13/01/contenido/tendencias/16-118294-9-nueva-teoria-afirma-que-tutankamon-murio-de-epilepsia.shtml >. Acesso em 14 de Setembro de 2012.
[1] Pais e médicos querem chamar atenção para morte súbita de epiléticos. Disponível em < http://veja.abril.com.br/noticia/saude/pais-e-medicos-querem-chamar-atencao-para-morte-subita-de-epileticos >. Acesso em 15 de Setembro de 2012.
[2] Health Hazards and Cures in Ancient Egypt. Disponível em < http://www.bbc.co.uk/history/ancient/egyptians/health_01.shtml >. Acesso em 15 de Setembro de 2012.
Veja também: The curse of King Tut’s man-boobs: Was Tutankhamen killed by disease which gave him breasts?. Disponível em < http://www.dailymail.co.uk/news/article-2202342/Curse-pharaohs-man-boobs-Tutankhamens-death-blamed-inherited-disorder-led-unusually-large-breasts.html#ixzz26Xrtj2sQ >. Acesso em 15 de Setembro de 2012.