Por Márcia Jamille | @MJamille | Instagram
Nos últimos meses os sítios arqueológicos de Saqqara (Egito) têm ganhado a mídia internacional. O motivo? A descoberta de uma centena de sarcófagos lacrados encontrados na região. Para variar ainda rolou a estreia do documentário da Netflix, os “Segredos de Saqqara” (2020).
Não bastasse tudo isso, no final de 2020 foi anunciada que mais uma “grande descoberta” foi feita na região, dessa vez durante os trabalhos de escavações coordenados pelo famoso arqueólogo Zahi Hawass. Também foi dito que o comunicado oficial da descoberta seria feito agora no início de 2021.
Antes do anúncio oficial, o que se sabia é que a equipe liderada por Hawass estava trabalhando ao lado da pirâmide do rei Teti, que reinou durante a 6ª Dinastia (Antigo Reino). E que eles encontraram poços funerários contendo ataúdes (sarcófagos) ainda com suas respectivas múmias. Ataúdes esses que são datados do Novo Império.
Teti foi o sucessor de Unas e reinou por, pelo menos, doze anos. Pouco sabemos sobre o reinado dele: possivelmente comandou uma expedição para a terra de Punt (a qual a arqueologia ainda não descobriu sua real localização) e de acordo com um biógrafo da antiguidade, Manetho, ele foi assassinado; afirmativa essa nunca confirmada (RICE, 1999).
A descoberta de Hawass:
Com a chegada da manhã do dia 16 de janeiro (2021) o Ministério de Turismo e Antiguidades anunciou para a imprensa local e internacional que a missão de Hawass não só tinha encontrado poços funerários, mas também os restos faltantes do templo funerário da rainha Nearit, esposa do Rei Teti. Esse templo já tinha sido identificado em anos anteriores à missão do Hawass, entretanto, a equipe encontrou mais fundações do antigo edifício, o que está permitindo ter uma ideia de como era o traçado do local.
A missão também encontrou três depósitos de tijolos de barro anexados ao templo no lado sudeste — esses depósitos foram construídos para armazenar provisões do templo, ofertas para a rainha e ferramentas que chegaram a ser usadas na construção do túmulo da rainha.
E os poços funerários o qual recebemos a notícia de antemão? Em um comunicado de imprensa o Ministério de Turismo e Antiguidades falou deles também: ao todo foram encontrados 52 poços, com profundidade de 10 a 12 metros, dentro dos quais estavam mais de 50 caixões de madeira da época do Novo Império. Entendam que Teti e Nearit viveram durante o Antigo Reino, séculos antes do Novo Império (vejam quadro cronológico). Sobre esse assunto, voltarei mais tarde.
Esses ataúdes têm uma forma humana (por isso o chamamos de “antropóides”) e são representados em sua superfície muitas cenas de deuses que eram adorados durante este período.
Dentro desses poços a equipe também encontrou um grande número de estátuas em forma de divindades tais como Osíris, Ptah-Sokar-Osiris e Anúbis, o antigo guardião das necrópoles. Também foram encontrados muitos jogos para entreter os falecidos no mundo dos mortos, um deles foi o Senet.
Igualmente foi encontrado um “Livro dos Mortos”, uma coletânea de textos sagrados divididos em capítulos que tinham como finalidade ajudar os falecidos em sua jornada para o além. O detalhe principal é que ele ainda possui o nome do seu dono: tratava-se de um homem chamado Pw-Kha-Ef.
Os “Livros dos Mortos” não são livros de fato, mas um rolo de papiro que pode ter alguns metros de comprimento. No caso desse achado, ele possui 4 metros de comprimento e 1 metro de largura. O seu conteúdo? O 17º capítulo do Livro dos Mortos.
O nome de Pw-Kha-Ef chegou a ser encontrado também em quatro estátuas shabti e em um ataúde.
Também foi explicado que a missão descobriu um santuário subterrâneo de tijolos de barro com um poço profundo. Essa estrutura remonta ao Novo Império. Outro detalhe é que o piso da cabana era pavimentado com blocos de calcário bem polido e a sua parte superior era coberta com pedras. O trabalho ainda está em andamento no poço, mas Hawass acredita que ele não sofreu nas mãos de ladrões. Até o momento o poço possui cerca de 24 metros de profundidade. E escrevo “até o momento” porque a equipe de escavação ainda não chegou ao seu fim. Espera-se que em seu fundo esteja uma câmara mortuária.
E exames já estão sendo realizados nas múmias para se descobrir detalhes da vida no passado da região. Algo notável que já foi identificado foi a descoberta de uma múmia de uma mulher que sofria de uma doença crônica conhecida como “febre do Mediterrâneo” ou “peste suína”, doença que surge do contato direto com animais e leva a um abcesso no fígado.
Mas, por que esses sarcófagos estavam lá? A resposta é simples: o rei Teti, mesmo sendo um governante da 6ª Dinastia, chegou a ser adorado durante a 18ª e 19ª Dinastias.
Outro detalhe importante sobre essa descoberta são os grandes indícios da existência de várias oficinas que produziam sarcófagos na região, assim como oficinas de mumificação. O que explica a existência de tantos sepultamentos na área.
Também foram encontradas muitas cerâmicas que denotam as relações comerciais entre o Egito, Creta, Síria e Palestina.
Esse trabalho é fruto do Centro Zahi Hawass de Egiptologia em cooperação com o Ministério de Turismo e Antiguidades e a Biblioteca Alexandrina.
Dicas de leitura:
☥ Tesouros do Egito: Do museu egípcio do Cairo☥ História do Egito Antigo
☥ Egito Antigo (Encyclopaedia)
☥ Uma Viagem pelo Nilo
☥ How the Great Pyramid Was Built (English Edition)
Fontes:
الكشف عن المعبد الجنائزي الخاص بالملكة نعرت زوجة الملك تتي. Disponível em < http://www.antiquities.gov.eg/DefaultAr/pages/NewsDetails.aspx?newsid=2420 >. Acesso em 16 de janeiro de 2021.
Hawass Announces New Archaeological Discovery in Saqarra. Disponível em < https://see.news/hawass-announces-new-archaeological-discovery-in-saqarra/ >. Acesso em 16 de janeiro de 2021.
Funerary temple of Queen Nearit, wife of Pharaoh Teti, discovered. Disponível em < https://dailynewsegypt.com/2021/01/16/funerary-temple-of-queen-nearit-wife-of-pharaoh-teti-discovered/ >. Acesso em 16 de janeiro de 2021.
3000-year-old National Treasure discovered by Egypt’s most famous archaeologist. Disponível em < https://www.facebook.com/luxortimesmagazine/posts/1550805468439292 >. Acesso em 16 de janeiro de 2021.
DODSON, Aidan. As Pirâmides do Antigo Império (Tradução de Francisco Manhães, Maria Julia Braga, Carlos Nougué). Barcelona: Folio, 2007.
RICE, Michael. Who’s Who in Ancient Egypt. Londres: Routledg. 1999.