Por Márcia Jamille Costa | @MJamille
Hoje (24/01/2011) o Ministério da Cultura do Egito fez um pedido formal de repatriação do busto da rainha Nefertiti ao Museu Neues (Alemanha).
Depois de negociações que vem se arrastando há décadas o Ministério da Cultura do Egito resolveu fazer uma solicitação formal de devolução do busto da rainha Nefertiti, que saiu do país sob circunstâncias de teor duvidoso durante a triagem de artefatos realizados pelos egípcios e o arqueólogo alemão Ludwig Borchardt em 1912.
A solicitação foi transmitida através de uma carta destinada ao presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano, em Berlim, e o Ministério das Relações Exteriores do Egito para que o envie a embaixada egípcia na Alemanha e o da Alemanha no Cairo.
O busto de Nefertiti é uma das muitas peças requeridas pelo o Egito, mas está no topo da lista pela a luta do repatriamento por que, além de ser um ícone e única, a batalha para a sua devolução se arrasta desde meados do século passado.
Entenda o que aconteceu em 1912
Na época de Ludwig Borchardt os arqueólogos estrangeiros poderiam retirar artefatos encontrados em sua escavação e levá-los para fora do Egito, mas isto somente depois de que os achados passassem por uma avaliação onde os artefatos “mais bonitos” ficariam na África e os menos atraentes sairia do país.
Sabe-se que durante a triagem Borchardt teria já dividido os artefatos em dois grupos onde o lado egípcio estaria com artefatos montados já em uma base, o que chamou a atenção do fiscal que não teria prosseguido com a inspeção acreditando que Borchardt já teria feito todo o trabalho para ele e não examinou o lado que iria para a Alemanha. Logo, o busto saiu do Egito “legalmente”, embora, quando chegou a Alemanha tenha permanecido escondido e ser revelado somente anos depois.
Até o próprio Hitler se recusou a devolver o busto
Durante o curso da Segunda Guerra acordos diplomáticos para se devolver o busto para o seu país de origem foram realizados, mas Hitler se recusou permanentemente a devolver o artefato. E desde que a Alemanha foi tomada ao final dos conflitos o busto mudou de endereço várias vezes.
Uma atitude que enfureceu os egípcios
Não bastasse a negação em se devolver o busto, em 2003, o Museu de Berlim permitiu que a base do artefato fosse furada para dar entrada a um parafuso para uma exposição do Little Warsaw, cujo projeto era composto por uma escultura feminina nua feita de bronze, a qual, no local de seu pescoço existia um vão que serviu para encaixar a cabeça de calcário da rainha.
O governo egípcio diz que não foram consultados sobre este projeto e questionaram fortemente a capacidade do museu de Berlim para cuidar da coleção de artefatos egípcios e consideraram a atitude ofensiva para a imagem da rainha egípcia, além de perigosa, como comentou o embaixador do Egito em Berlim, Mohamed al-Orabi: ”Nós não aceitamos que essa importante estátua da rainha Nefertiti tenha sido posta em risco por esse projeto idiota”[1].
Quais as desculpas para não se repatriar?
Dentre várias justificativas estas foram algumas utilizadas não só pela a Alemanha, mas outros países europeus para não se devolver o busto:
– Países de terceiro mundo não têm capacidade financeira de manter um artefato tão valioso;
– Os egípcios atuais não têm nenhuma ligação com os egípcios da antiguidade, logo, a questão da “herança” ou “patrimônio” não é válida;
– O busto saiu do Egito legalmente;
– O artefato seria danificado durante o transporte;
– Usando o exemplo dos Budas destruídos no Afeganistão os países árabes de governo extremista podem destruir os seus próprios artefatos – mas não podemos esquecer que o busto de Nefertiti quase foi destruído em um bombardeio durante a 2ª Guerra Mundial -.
Por que repatriar?
– As circunstancias as quais o artefato saiu do Egito sugere que o seu descobridor agiu de má fé com as autoridades egípcias ao esconder o busto da rainha por trás de vários objetos visivelmente menos atraentes do que o do lado egípcio;
– O Egito possui capacidade e tecnologia para guardar o busto no país;
– Embora o patrimônio egípcio seja herança do mundo, sua verdadeira casa é o seu país de origem.
Veja também:
◘ Documentário Nefertiti’s Odyssey (No Brasil “Nefertiti”)
Produzido em 2008 pela National Geographic, conta sobre a história de Ludwig Borchardt e como retirou fortuitamente do artefato do Egito, além de explanar sobre as documentações existentes relacionadas ao caso e o diário de Ludwig Borchardt, onde ele demonstra saber do valor incalculável do busto da rainha para os egípcios e o seu desejo de levá-lo para a Alemanha.
◘ Matéria Nefertiti… Falsificada?
Um texto da minha autoria sobre a polêmica criada pelo suíço Henri Stierlin que publicou um livro em que sugere que o busto da rainha na verdade seria uma fraude.
UPDATE
A Alemanha lança seu primeiro comentário sobre o assunto: Alemanha nega pedido egípcio
Fonte da notícia:
Egipto reclama el regreso de Nefertiti – Público.es. Disponível em < http://www.publico.es/culturas/357837/egipto-reclama-el-regreso-de-nefertiti> Acesso em 24 de Janeiro de 2011.
Fontes consultadas:
[1] Nefertiti’s Bust Gets a Body, Offending Egyptians Disponível em <http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9905EEDF163BF932A15755C0A9659C8B63> Acesso em 24 de Janeiro de 2011.
Fonte das imagens:
Nefertiti na obra do Little Warsaw. A imagem causou indignação em várias pessoas. Retirado de The Body of Nefertiti. Disponível em <http://www.theintellectualdevotional.com/blog/category/visual-arts/page/4/> acesso em 24 de janeiro de 2011
Nefertiti e Little Warsaw. Retirado de Acax.hu -Little Warsaw. Disponível em <http://www.acax.hu/index.php?pageid=221&language=en > acesso em 24 de janeiro de 2011
Para poder encaixar com a estátua de bronze o busto precisou ser perfurado. Retirado de Little Warsaw. Disponível em < http://www.littlewarsaw.com/displaced_history/img/united_nefertiti.jpg > acesso em 24 de janeiro de 2011