Para “A mais bela de todas”: o trabalho de restauro na tumba da rainha Nefertari
Por Márcia Jamille Costa | @MJamille
“Quando um conservador encontra algo em más condições deve tentar devolvê-lo a seu estado original. Trata-se de fazer as coisas bem”, assim falou Paolo Mara, chefe responsável pela a restauração da tumba da rainha Nefertari da XIX Dinastia (Novo Império). Descoberto em 1904 pelo o arqueólogo italiano Ernesto Schiaparelli o túmulo estava em um lamentável estado de conservação além de vazio e desprovido da múmia da rainha. Os artistas do faraó revestiram os muros de pedra calcária com gesso polido utilizado como base para os lindos murais que retratam a rainha e sua passagem pelo o além. Schiaparelli organizou então um informe fotográfico do local com a ajuda de Michele Pizzio e Francesco Ballerini realizando então 132 imagens tanto do interior como do exterior da tumba, uma documentação importante para mostrar-nos hoje qual era o estado do sepulcro em 1904.
Diga-se de passagem que Nefertari foi a mais mimada dentre as esposas de Ramsés II, a única que teve o privilégio de ter um templo em Abu Simbel, um dos feitos mais geniosos deste faraó, o que permitiu que não somente ele, mas ela também fosse alvo de culto. A sua tumba é uma das mais decoradas do Vale das Rainhas, mas as visitas que recebia e os atos de vandalismo aceleraram o processo de degradação das pinturas murais o que levou ao Serviço de Antiguidades do Egito a permitir o trabalho de restauração pelo o Instituto Getty de Conservação de Los Angeles em 1986 comandado então por Paolo Mora e sua esposa (co-coordenadora).
Com o trabalho a equipe detectou a presença de algas microscópicas e contaminação bacteriológica, além do real estado das pinturas que estavam literalmente se desgrudando da parede devido a presença de sal cristalizado na pedra calcária. O sal sofria tal processo justamente devido ao ar quente emitido pelos os visitantes. Para proteger as seções mais deterioradas os integrantes da equipe colaram tiras de papel de amoreira, assim como gazes, nas pinturas. Para que o processo de limpeza não degradasse os desenhos foi empregada uma pistola de ar comprimido de baixa pressão para a eliminação do sebo de trás do gesso descolado.
Foi feito o uso de uma argamassa sem sal feita de areia e gesso – seguindo os métodos faraônicos – para colar o gesso antigo de volta a parede. O trabalho durou cinco anos e a equipe recusou-se a fazer, por mais mínima que fosse, uma intervenção moderna nas pinturas (completar desenhos faltosos, por exemplo) para não abalar a integridade original da tumba.
Apesar dos esforços são poucos os privilegiados que podem visitar o sepulcro, mas isto para proteger as pinturas dos vapores que lhes são tão nocivos. Durante a restauração foram encontrados traços daqueles que trabalharam na tumba na época em que Ramsés II era vivo e provavelmente a própria rainha Nefertari: cerdas dos pinceis e até digitais.
O nome de Nefertari significa “A mais bela de todas” e o seu túmulo não merecia menos. Tal denominação é perfeita para aquela que é a tumba mais bela do Vale das Rainhas e que hoje graças a intervenção moderna permanecerá para o nosso deleite e reflexão por mais algumas décadas como a mais linda.
Curiosidades:
– A restauração realizada pelo o Instituto Getty de Conservação não foi a primeira na tumba, ocorreram outras onde foi utilizado inclusive cimento (que foi tirado posteriormente em 1986);
– Os conservadores retiraram também as pinturas modernas postas no local durante as tentativas de restauro anteriores;
– O que tornou o resultado do trabalho um sucesso foi a multidisciplinaridade da equipe que contava com profissionais ligados a área da hidrografia, geologia, dentre outros;
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Referência: Biblioteca Egito: Ramsés II. Barcelona: Folio, 2007.