Por Márcia Jamille Costa | @MJamille
Dorothy Louise Eady (1904-1981) foi uma inglesa que protagonizou uma das histórias mais famosas e que mais despertam a curiosidade para os assuntos que falam a respeito da possibilidade da existência de vidas passadas, inspirando artigos e debates acerca. Sua crença de que tinha vivido durante a Era Faraônica a fez popular na cidade de Abidos em meio aos nativos, turistas e profissionais da Egiptologia onde, entre muitos grupos de pesquisadores, sua história não foi só tolerada, mas admirada.
Porém, justamente esta consideração não fez com que ocorresse um interesse em tentar reafirmar ou desmentir alguns dos seus testemunhos acerca de edifícios da antiguidade, o que só faz aumentar a curiosidade por esta figura, ignorando o que poderia se tratar da verdade.
Este texto, que servirá para demonstrar como o Egito Antigo pode influenciar na crença de algumas pessoas, seguirá de forma linear, apresentando alguns fatos da vida de Dorothy ao lado das experiências pelas quais ela afirmava ter passado.
A vida de Dorothy até ir morar no Egito
Nascida em 6 de janeiro de 1904 na cidade de Blackheath, na Inglaterra, durante os seus três anos de idade um incidente seria tomado como a explicação dos eventos que se seguiram na vida de Dorothy: em 1907 a queda de um lance de escadas fez com que o médico que foi ao seu socorro declarasse seu óbito, no entanto, minutos depois a menina encontrava-se desperta e brincando (JAMES; THORPE, 2001; O’CONNOR et al 2007). Após o acidente ela começou a sonhar recorrentemente com um grande edifício com colunas e jardins, também tinha explosões de choros e ignorando a residência em que nasceu e cresceu afirmava que gostaria de voltar para a sua casa, mas não sabia explicar onde é que este lar se encontrava (JAMES; THORPE, 2001).
Meses depois, em 1908, quando ela tinha quatro anos, os pais a levaram ao museu Britânico. Ao chegar à seção egípcia começou a beijar freneticamente os pés das estátuas e por fim parou em frente à vitrine de uma múmia. Após minutos os pais tentaram retirá-la do lugar, mas Dorothy se agarrou ao móvel expositor e gritou “Deixe-me aqui, este é o meu povo!”. Posteriormente a este ocorrido, seu pai lhe compra uma enciclopédia infantil que possuía imagens de artefatos egípcios (JAMES; THORPE, 2001).
Aos sete anos viu uma revista com uma fotografia do templo de Abidos e afirmou ao pai que ali era a sua casa e complementou “Mas por que está tudo quebrado? E onde está o jardim?”, o que o indignou, já que na sua concepção no deserto não existiam jardins (JAMES; THORPE, 2001).
No início da adolescência seu fascínio pelo Egito fez com que Sir Ernest Wallies Budge a tomasse como discípula, treinando-a para compreender hieróglifos nos períodos em que ela não estava nas aulas da escola (JAMES; THORPE, 2001).
Com a chegada da vida adulta, agregou aos seus estudos extraescolares acerca do Antigo Egito um curso de desenho de uma escola de artes de Plymouth. Também começou a frequentar grupos de interesse em reencarnações, mas nenhum a animou. Uma destas confrarias tentou entender o que ocorria com Dorothy, buscando saber por que ela tinha sonhos constantes com o Egito Antigo e deduziram que de fato ela teria morrido no acidente da escada e que a alma de alguém que viveu na antiguidade tinha se apossado do seu corpo, explicação esta que ela não acatou (JAMES; THORPE, 2001).
Com 27 anos ela foi morar em Londres, assumindo um emprego em uma revista egípcia onde desenhava quadrinhos e escrevia artigos defendendo a emancipação do Egito da Grã-Bretanha. Foi neste período que conheceu Abdel Maguib, que viria a tornar-se seu marido e com quem se mudou para o Egito em 1933, onde engravidou do seu primeiro e único filho, a quem deu o nome de Seti o que lhe rendeu o denominativo “Omm Seti” (“mãe de Seti”), seguindo o costume egípcio de não se referir às mulheres por seu nome (JAMES; THORPE, 2001; O’CONNOR et al 2007).
Relatos de “vidas passadas” e problemas com a família
Na época em que viveu no Egito com o marido, durante algumas noites Dorothy levantava da cama e começava a escrever hieróglifos, os quais ela dizia serem ditados por um espírito chamado Hor-Rá em momentos que descreveu estar semiacordada. Destas seções ela reuniu setenta páginas onde estava o relato de que ela teria vivido durante a antiguidade egípcia e que era uma mulher que tinha falecido muito jovem, chamada Bentreshyt (JAMES; THORPE, 2001).
Ainda de acordo com a narrativa, Bentreshyt era a filha de um casal pobre que a enviou para o templo de Seti I, que estava sendo construído na atual área de Kom el-Sultan, onde seria criada e treinada como sacerdotisa, momento este em que deveria fazer um voto de castidade (JAMES; THORPE, 2001).
No período de um ano, intervalo que Dorothy levou para preencher estas páginas, ela começou a ter problemas com a sua família egípcia: primeiro em relação a onde morar, uma vez que o marido queria viver na moderna Cairo e ela no subúrbio, para poder ficar perto das pirâmides, o segundo foi acerca do seu sogro, que enquanto morava com o casal fugiu de casa alegando ter visto um “faraó” na cama da sua nora (JAMES; THORPE, 2001).
Com o seu marido indo morar, devido ao trabalho, no Iraq, ela se mudou com o filho para uma barraca próxima das pirâmides, época a qual ela foi empregada pelo Departamento de Antiguidades do Egito (atual Ministério das Antiguidades do Egito), tornando-se a primeira funcionaria do sexo feminino (JAMES; THORPE, 2001).
Trabalhou por vinte anos como assistente dos arqueólogos egiptólogos Selim Hasan e Ahmed Fakhry, que atuavam em Gizé e Dashur, mas durante este tempo jamais tinha ido conhecer Abidos, local que na infância ela tinha identificado como seu lar (JAMES; THORPE, 2001). Acerca deste assunto ela registrou:
Só tinha um objetivo na vida: ir para Abidos, viver em Abidos e ser enterrada em Abidos. [Contudo] algo além do meu alcance me detivera até mesmo de visitar Abidos (JAMES; THORPE, 2001, pág. 487).
Com o ano de 1952 finalmente foi conhecer Abidos, que se tratava de um vilarejo sem eletricidade e água encanada, e ao chegar rumou diretamente para o Templo de Seti I, onde passou a noite acendendo incensos e rezando para as divindades egípcias, mas só tornou-se residente da província em 1956, após conseguir um emprego para registrar os relevos das paredes do templo e deixar que o seu filho fosse morar com o pai no Kuwait (JAMES; THORPE, 2001; O’CONNOR et al 2007).
Durante sua estadia no local pôde acompanhar os trabalhos de uma equipe de Arqueologia que tinha encontrado no sítio os vestígios de um jardim (JAMES; THORPE, 2001).
Seus relatos de encontros com o faraó Seti I
Embora não fizesse segredo acerca da sua convicção de que tinha vivido durante a antiguidade egípcia, Dorothy não relatou publicamente tudo o que tinha escrito nos papéis que guardavam suas narrativas acerca de Bentreshyt, porém, com a insistência do seu melhor amigo, o Dr. Hanny El Zeini, ela registrou mais detalhes das experiências que dizia ter passado, especialmente acerca de como Bentreshyt, aos 14 anos, teria encontrado o próprio Seti I no jardim, a paixão repentina dos dois e a gravidez indesejada, uma vez que de acordo com as leis do templo as sacerdotisas deveriam manter-se virgens (JAMES; THORPE, 2001).
Ainda de acordo com os escritos de Dorothy, os responsáveis pelo edifício a pressionaram para que ela revelasse quem era o pai da criança, mas pensando na integridade de Seti I ela se matou, levando o segredo consigo. Consternado, após saber do ocorrido, Seti I prometeu que jamais iria esquecê-la (JAMES; THORPE, 2001).
Ela ainda afirmou que ao completar 14 anos em sua vida como inglesa o espírito do faraó a visitou em forma de múmia e ela só voltou a vê-lo somente mais tarde, quando foi morar no Cairo, mas desta vez ele estava com a aparência normal e frequentava sua casa com mais assiduidade (JAMES; THORPE, 2001).
Até onde vai a veridicidade?
James e Thorpe (2001) apontam que a única pessoa que deixou um testemunho acerca do caso foi a própria Dorothy, a qual não esclareceu vários aspectos dos seus relatos, especialmente os ligados a sua infância, se as lembranças do acidente e do acontecimento no museu de fato eram dela ou lhes foram descritos por seus pais.
Outro ponto são as informações acerca de edifícios egípcios que ela afirmava ter recebido de Seti I, tais quais:
(1) Que embaixo do Templo de Seti I em Abidos existiria uma câmara mortuária secreta, contendo uma biblioteca com registros históricos (JAMES; THORPE, 2001);
(2) O Osirion de Abidos não teria sido construído por este faraó (JAMES; THORPE, 2001);
(3) Que a esfinge do platô de Gizé não foi construída por Khufu (Quéfren), mas anos antes em honra ao deus Hórus (JAMES; THORPE, 2001); afirmação esta que se choca com as atuais pesquisas da Arqueologia que sugerem que ela teria sido edificada pelo o sucessor de Khufu em honra a este falecido faraó.
(4) A tumba de Nefertiti foi edificada próxima a de Tutankhamon e aparentemente permanece intacta (EL ZEINI; DEES) [1].
Muitos dos seus relatos são artificiais e dedutivos, desta forma, independente da crença de cada um, ela continua mais como um ponto de curiosidade para os fascinados pela antiguidade egípcia. Não é tarefa fácil aceitar suas afirmações, especialmente porque convenientemente todas as pessoas as quais ela fez comentários acerca da personalidade naturalmente já estão mortas fazem mais de 3000 anos.
Legado de Dorothy Eady… Omm Seti
Embora seja reconhecida devido a sua insistência em afirmar que teria vivido durante a antiguidade egípcia, Omm Seti se sustentava através na Egiptologia, mesmo que não possuísse uma formação formal na área.
Com o seu amigo El Zeini ela escreveu vários artigos. No entanto, se não fossem suas alegações de que era a reencarnação de uma egípcia e suas biografias que trazem seus comentários de encontros com o faraó Seti I, provavelmente seu nome seria lembrado por poucos acadêmicos.
Para saber mais:
O amigo de Omm Seti, Dr. Hanny El Zeini, ao lado de Catherine Dees, escreveu uma biografia acerca da história de Dorothy, o Omm Sety’s Egypt: A Story of Ancient Mysteries, Secret Lives, and the Lost History of the Pharaohs.
O jornalista Jonathan Cott, com o apoio de El Zeini, publicou em seu The Search for Omm Sety: A True Story of Eternal Love and One Woman’s Voyage Through the Ages parte do diário secreto dela.
Vídeo:
Pouco antes de falecer Omm Seti recebeu a equipe de filmagens da National Geographic em sua residência em Abidos. Abaixo a sua participação no documentário “Egito: Em Busca da Eternidade” (“Egypt: Quest for Eternity”, no original).
Referências:
[1] Omm Sety`s Egypt: A Story of Ancient Mysteries, Secret Lives, and the Lost History of the Pharaohs. Disponível em < http://www.nicholasreeves.com/item.aspx?category=Press&id=300 >. Acesso em 01 de agosto de 2013.
JAMES, Peter; THORPE, Nick. “O caso Omm Seti”. In: O Livro de Ouro dos Mistérios da Antiguidade: Os maiores enigmas da História da Humanidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
O’CONNOR, David; FREED, Rita; KITCHEN, Kenneth. “Dorothy Eady e sua máquina do tempo” In: Ramsés II (Tradução de Francisco Manhães, Marcelo Neves). Barcelona: Fólio, 2007.