Ministério de Antiguidades do Egito nega que um cemitério com “um milhão de múmias” foi encontrado

Por Márcia Jamille | @MJamille | Instagram

Nos últimos dias viralizou na internet a notícia de que a equipe de arqueologia da Universidade de Brigham Young, de Utah, EUA, descobriu na área de Fayum um cemitério com um milhão de múmias, achado sem precedentes no Egito.

De acordo com as matérias, o local trata-se de um espaço de sepultamento de pessoas comuns, que acabaram sendo mumificadas artificialmente. Entretanto, ao contrário do que os títulos dizem, o coordenador da missão, o professor Kerry Muhlestein, não deixa claro o número de corpos encontrados, como ele explicou em seu texto de divulgação, “Estamos quase certos de que há mais de um milhão de enterramentos dentro desse cemitério. É grande e denso”[1], o que deu margem para a interpretação equivocada da imprensa. É o que diz o Ministério de Antiguidades do Egito, que lançou ontem uma declaração oficial negando que “um milhão de múmias” foram encontradas em Fayum e salientou que a notícia espalhada pela mídia trata-se de “rumores”. Com a nota foi noticiado também que a missão da BYU teve sua concessão de escavação cancelada por ter feito declarações para a imprensa sem consentimento do MSA, o que fere os regulamentos do acordo para escavar no Egito [2].

Mão mumificada de uma criança. Foto: divulgação. “BYU in Egypt”. “Arqueólogos encontram cemitério com ‘um milhão de múmias’ no Egito”. Disponível em < http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/arqueologos-encontram-cemiterio-com-um-milhao-de-mumias-no-egito-14856533 >. Acesso em 18 de dezembro de 2014.

Explicando de modo simples, todos os coordenadores de escavações que trabalham no Egito são proibidos de comentar suas descobertas com terceiros — principalmente com a mídia — sem a aprovação do relatório de pesquisa que deve ser entregue ao MSA em todo o final de temporada.

Outras polêmicas:

Fiz uma breve pesquisa na internet para entender o professor Kerry Muhlestein. Em um blog li que ele foi protagonista em uma polêmica que envolveu um conjunto de fragmentos denominado de “Papiro Joseph Smith” e o chamado de “Livro de Abrão”. O burburinho teve início com uma série de vídeos que Muhlestein lançou na internet, onde afirma que existem conexões entre Abrão (personagem bíblico) e a antiguidade egípcia, entretanto, os vídeos apresentam argumentos contraditórios onde até mesmo a ligação entre o “Papiro Joseph Smith” e o “Livro de Abrão” não é sólida o que rendeu uma série de críticas por parte de alguns dos seus colegas que definiram suas conclusões como inviáveis [3][4].

Um dos depoimentos escritos pela Dr. Kara Cooney, que leciona na mesma Universidade em que Muhlestein se formou, a UCLA, acerca deste ocorrido é um pouco preocupante:

“Eu assisti aos três vídeos, e eu não concordo com nada disso. Os antigos egípcios não tinha noção de Abraão, então eu não sei de onde ele tira essas comparações… e não, a maioria dos egiptólogos não concorda, apesar do que Kerry diz. Eu conheço Kerry, mas eu não tenho muito respeito pelo seu trabalho. Agora eu tenho menos ainda. O fato de que ele está escavando no Egito é ainda mais preocupante … Seu PhD foi concedido antes de eu chegar na UCLA, embora eu saiba que Kerry terminou sua dissertação, baseada em textos, depois de apenas dois anos de treinamento em língua egípcia, o que é bastante ridículo”[3].

No blog onde foi divulgada a mensagem da egiptóloga está clara a preferência pelas interpretações de Muhlestein, embora as mesmas tenham mais afinidade com a Egiptofilia do que com a Egiptomania [4].

Escavação em Fayum. Foto: “BYU in Egypt”. “AExperts Make Massive Discovery Under the Sand of the Egyptian Desert — and It’s Left Them Puzzled”. Disponível em < http://www.theblaze.com/stories/2014/12/17/experts-make-massive-discovery-under-the-sand-of-the-egyptian-desert-and-its-left-them-puzzled/ >. Acesso em 19 de dezembro de 2014.
Área de sepulturas. Foto: “BYU in Egypt”. “AExperts Make Massive Discovery Under the Sand of the Egyptian Desert — and It’s Left Them Puzzled”. Disponível em < http://www.theblaze.com/stories/2014/12/17/experts-make-massive-discovery-under-the-sand-of-the-egyptian-desert-and-its-left-them-puzzled/ >. Acesso em 19 de dezembro de 2014.

Também procurei pelo perfil no Facebook “BYUEgyptExcavation” e não encontrei resultados. Igualmente consultei por “BYU in Egypt” (onde estavam disponíveis algumas fotografias da campanha), mas a página foi apontada como “indisponível”.

Fonte da notícia:

[1] Arqueólogos encontram cemitério com ‘um milhão de múmias’ no Egito. Disponível em < http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/arqueologos-encontram-cemiterio-com-um-milhao-de-mumias-no-egito-14856533 >. Acesso em 18 de dezembro de 2014.
[2] Mummy Curse Strikes Again: MSA Stops BYU Mission. Disponível em < http://luxortimesmagazine.blogspot.com.br/2014/12/mummy-curse-strikes-again-msa-stops-byu.html?m=1 >. Acesso em 19 de dezembro de 2014.
Reverend Spalding Strikes Again: A Response to Internet Criticism of Kerry Muhlestein’s Book of Abraham Videos. Disponível em < http://blog.fairmormon.org/2013/03/06/reverend-spalding-strikes-again-a-response-to-internet-criticism-of-kerry-muhlesteins-book-of-abraham-videos/ >. Acesso em 19 de dezembro de 2014.
BYU professor speaks on unnoticed assumptions about the Book of Abraham. Disponível em < http://www.deseretnews.com/article/865608559/BYU-professor-speaks-on-unnoticed-assumptions-about-the-Book-of-Abraham.html?pg=all>. Acesso em 19 de dezembro de 2014.