A faraó Hatshepsut precisou se portar em tempo integral como um homem?

Por Márcia Jamille | @MJamille | Instagram

 

Faraó Hatshepsut usando adereços masculinos. Imagem retirada de MARIE, Rose; HAGEN, Rainer. Egipto. (Tradução de Maria da Graça Crespo) 1ª Edição. Lisboa: Editora Taschen, 1999.
Faraó Hatshepsut usando adereços masculinos. Imagem retirada de MARIE, Rose; HAGEN, Rainer. Egipto. (Tradução de Maria da Graça Crespo) 1ª Edição. Lisboa: Editora Taschen, 1999.

O leitor e aluno de Arqueologia da UFS, José Nicolas Santos, deixou uma pergunta interessante no post sobre a faraó Hatshepsut. Ele quer saber se por conta dela se fazer representar fisicamente como um homem nos templos e mitos após se tornar faraó, se ela também o fazia em frente aos súditos e teria inclusive que se portar tal como um homem. Eu o respondi lá no próprio post, mas coloco também a resposta aqui com algumas informações complementares:

Ao contrário de outras faraós, aparentemente a Hatshepsut foi a única que utilizou todo um vestuário masculino (outras tendiam a utilizar somente alguns objetos, uma delas, a Sobekneferu, usava a roupa masculina por cima da feminina) ao se fazer representar como Faraó. Ela, inclusive, era registrada em imagens totalmente como a aparência da biologia masculina, mas provavelmente não adotou um modo de vida como um homem, afinal, não teve uma Grande Esposa Real, o que era usual para aqueles que exerciam o cargo régio.

Outras faraós também não adotaram Grandes Esposas Reais, o que levou à conclusão por parte de alguns acadêmicos de que como as Faraós eram mulheres assumindo roupagens masculinas elas já englobavam a dualidade masculina e feminina que unidas criavam o equilíbrio, assim não era necessário ter uma Grande Esposa Real, o que, inclusive, tendia a criar um problema de sucessão, exceto para Hatshepsut, que já tinha Tutmés III para substituí-la.

Sobre aparecer para o povo, não era comum ao faraó se mostrar para a população, independente se eram das classes mais baixas ou da nobreza, alias isto era algo extremamente honroso, só para ter uma ideia era tão incomum alguém olhar para a figura do faraó que quando uma pessoa tinha o privilégio de beijar a areia que ele acabou de pisar (já que usualmente era o local que eles poderiam olhar) achava digno registrar isto em sua tumba.

Hatshepsut (esquerda) realizando oferendas para Amon-Min. Foto disponível em: MARIE, Rose; HAGEN, Rainer. Egipto. (Tradução de Maria da Graça Crespo) 1ª Edição. Lisboa: Editora Taschen, 1999.
Hatshepsut (esquerda) realizando oferendas para Amon-Min. Foto disponível em: MARIE, Rose; HAGEN, Rainer. Egipto. (Tradução de Maria da Graça Crespo) 1ª Edição. Lisboa: Editora Taschen, 1999.

Além do mais, no caso da Hatshepsut, a população comum em peso era iletrada e não tinha acesso aos templos para saber bem o que estava ocorrendo, exceto o básico, que Hórus estava reinando, mas de fato para muitos, inclusive de fora do ambiente sacerdotal, não era segredo que Hatshepsut era uma mulher e aparentemente conviviam bem com isto: ela era a filha de um deus, sua acessão ao trono era um programa divino e o país estava cada vez mais rico sob sua gerencia. Em resumo, ela estava cuidando bem da manutenção da Maat, ou seja, do equilíbrio.

Já no seio familiar não sabemos se ela adotava este discurso, se ela utilizava roupas masculinas ou femininas. Infelizmente a iconografia desta época era voltada basicamente para a ideologia religiosa. Mas para não se pensar que tudo era somente paz, especula-se no meio da Egiptologia que um grafite encontrado em uma pedreira egípcia, próxima a Deil el Bahari, registrando uma mulher com uma coroa real (mais especificamente o Nemes) tendo relações sexuais com um homem poderia se tratar de Hatshepsut e Senenmut, o que mostra que poderiam existir fofocas acera da relação da Faraó com um homem de fora da casa real.