Grandes estátuas de Ramsés II e Seti II são encontradas na “Cidade do Sol”: mas, existem alguns probleminhas…

Por Márcia Jamille Costa | @MJamille | Instagram

Uma missão egípcia-alemã, que está trabalhando em El-Mataria (Cairo), antiga Heliópolis, desenterrou partes de duas estátuas colossais da época ramséssida, no sítio arqueológico de Suq el-Khamis. As pesquisas estão sendo coordenadas pela Universidade de Leipzig em cooperação com o Ministério das Antiguidades do Egito [1].

Ambas, no momento da descoberta, estavam cobertas com lama argilosa. Partes delas já foram removidas do local e de acordo com o Ministro das Antiguidades, serão levadas para o Grande Museu Egípcio, cuja inauguração — cancelada várias vezes  — espera-se que ocorra em 2018 [1].

Uma delas, feita em pedra calcária, é a parte superior de uma imagem do rei Seti II (identificado por um cartucho em seu ombro direito) e mede cerca de 80 cm de altura.

Estátua de Seti II. Foto: Luxor Times.

Estátua de Seti II. Foto: Luxor Times.

A segunda é feita de quartzito. Não se sabe quem ela representa, embora a sugestão é de que possa ser Ramsés II — um ligeiro antecessor de Seti II —. Esta imagem deveria ter tido cerca de 8 metros de altura.

Possível estátua de Ramsés II. Foto: Luxor Times.

“Estou bastante certo de que [os quadris e pernas] estarão lá”, disse Dietrich Raue, diretor da equipe alemã, “mas o problema é que estamos no meio da cidade e a parte inferior pode estar muito perto das residências. É perigoso escavar mais perto das casas, assim provavelmente nós não teremos a parte inferior” [3]

O templo foi destruído no Período Greco-romano e as antiguidades foram saqueadas e enviadas para Alexandria ou Europa. Em épocas posteriores alguns elementos dos edifícios foram reciclados como material de construção no Cairo[3].

Controvérsias:

Em meio a várias notícias comemorando a descoberta, algumas fotos têm circulado por algumas mídias sociais criado uma grande polêmica no Egito. A questão tem relação com a utilização de uma escavadeira para extrair as estátuas da terra, o que levou a acusações de que essa metodologia teria prejudicado a integridade dos objetos e que, inclusive, teria quebrado um deles.

Em um comunicado, o Ministério das Antiguidades comentou o escândalo, garantindo que os artefatos não sofreram avarias e que estão recebendo acompanhamento de especialistas. Mahmoud Afify, chefe do Setor de Antiguidades Egípcias, disse que apenas parte da estátua, a cabeça, foi levantada com uma escavadeira devido ao seu peso excessivo, o restante permanece no local. Ainda de acordo com o mesmo, para retirá-la foram utilizados tarugos de madeira e cortiça para separá-la do metal do guindaste. Uma grande quantidade de argila também foi retirada com a peça durante o levantamento [2][3].

Possível estátua de Ramsés II. Foto: Luxor Times.

Possível estátua de Ramsés II. Foto: Luxor Times.

Possível estátua de Ramsés II. Foto: Luxor Times.

Zahi Hawass, ex-ministro as antiguidades, defendeu a metodologia adotada por seus colegas afirmando que “Se não for transportada deste modo, então ela nunca será transportada. Este é o método usado em todos os países do mundo para mover quaisquer artefatos arqueológicos desse tamanho (…). Portanto, garanto que o que foi feito pela missão foi um trabalho científico integrado em salvar a escultura descoberta e que não há outra maneira para a missão a não ser usar essas máquinas que preservaram a estátua” e complementou “Estou muito feliz com o transporte desta imagem e sua descoberta, porque tem gerado grande publicidade no mundo inteiro” [4].

Outros pontos foram levantados pela arqueóloga e ativista Monica Hanna em sua página em uma rede social. Ela explicou que o verdadeiro problema é que essas grandes estátuas foram encontradas em um terreno cedido pelos Ministério das Antiguidades. Em um outro momento o até então chefe de arqueologia da região afirmou, erroneamente, que o espaço não tinha nenhum interesse histórico e o deu para a Unidade Local para construir um mercado. Ela ainda salientou a questão do esgoto no sítio e falou sobre a possibilidade de drenar toda a água. Também comentou sobre como grandes artefatos são erguidos: “(…) objetos pesados são geralmente levantados usando cintos/cordas ou são acolchoados para evitar o contato com as partes metálicas da escavadeira, pois existe sempre risco de choque, mesmo que mínimo, durante a difícil operação. Das imagens, parece que a estátua não foi quebrada durante a operação, como algumas pessoas temiam”. [5]

Esgoto e lixo: péssima mistura não só em um sítio arqueológico, mas em uma área residencial. Foto: Luxor Times.

Contudo, de fato algumas fotografias compartilhadas por alguns egípcios realmente são preocupantes. Aparentemente a cabeça da estátua ainda está no local em que a equipe a deixou após retirá-la do buraco. Exceto a primeira, as duas outras fotografias, até o momento, são de autores desconhecidos:

Alguns jornais e portais noticiaram que as estátuas seriam enviadas para o Grande Museu Egípcio, mas não falaram que a suposta cabeça de Ramsés II ainda permanecia no local. Foto: Mohamed Abd El Ghany / Reuter.

Esta foto de crianças brincando sobre a cabeça é preocupante, principalmente porque uma delas (círculo vermelho) está apoiada na orelha da estátua. Foto: Autor desconhecido.

Homens da própria região parecem ter tomado uma iniciativa e coberto a cabeça para protegê-la. Foto: Autor desconhecido.

Up-date: 15h09 | 11/03/2017

Saiu na mídia egípcia que agora a cabeça está “protegida” com fitas amarelas de proteção. Já é alguma coisa:

Foto: Past Preservers

Área alagada: qual seria a melhor maneira de trabalhar nessa situação?

A priori pode parecer impossível realizar um trabalho de arqueologia em um sítio alagado, mas não é. Nessa situação, por exemplo, foi possível realizar um trabalho de dragagem. Porém, nenhumas das notícias deixam claro se ocorreu alguma preocupação em se procurar por pequenos artefatos, só nos é possível ver os trabalhadores lavando as partes das estátuas e depois as removendo com uma escavadeira.

Foto: Mohamed Abd El Ghany / Reuter

Talvez com a publicação oficial da missão isso seja, ou já tenham sido, respondido. Porém, aproveitei para entrar em contato com um colega brasileiro, o Luis Felipe Freire, que é especialista em Arqueologia Subaquática. Perguntei para ele como nesta situação, a de um sítio arqueológico coberto por lama, poderíamos procurar por pequenos artefatos, já que não é possível realizar uma escavação por camadas. Sua resposta foi a seguinte:

“Vai depender da área, o ideal seria estar drenando a água para começar a retirar o sedimento, peneirando o mesmo com a técnica de peneira molhada. No entanto, vai depender das condições do local, porque se for à beira de um rio/lago/mar a água poderá continuar minando com muita velocidade. Geralmente o pessoal faz isso. Drenagem da água e escavação a níveis artificiais para ter o mínimo de controle estratigráfico”.

Falei para ele que ocorreu uma tentativa de drenagem, mas que por algum motivo ainda tinha muita água. Então ele pontuou:

“Realmente, daria para fazer algo com um maior controle e registro arqueológico. Porque mesmo com muita água minando, ainda dá para criar um sistema de drenagem que controle o surgimento da água, enquanto é feita a escavação. Tanto que o pessoal já fez escavação no meio do mar drenando a água e escavando os sítios na lama. Só que é uma logística cara, possivelmente eles não queriam ter muito esforço (gastar dinheiro)”.

Outras descobertas importantes:

Heliópolis, conhecida como Iunu em egípcio antigo (On em copta e na Bíblia), foi um importante nomo do Egito. Atualmente parte dessa antiga cidade compreende o subúrbio do Cairo. O nome “Heliopolis” (Cidade do Sol, traduzido do grego) tem relação com os templos do deus Sol Rá, Amon-Rá ou Rá-Harakhty. Aton, uma das representações de Rá, também foi cultuado no local.

Em Souq Al-Khamis foram encontrados os restos dos templos dos faraós Tutmés III, Akhenaton e o próprio Ramsés II, todos do Novo Império.

— Abaixo vocês poderão conferir alguns vídeos e entrevistas realizados no local em que foram encontradas as estátuas (legendas em inglês):

Tenha em casa: A Edições Del Prado, uma editora especializada em vendas de fascículos com imagens colecionáveis, possui uma coleção intitulada “Cenas do Egito Antigo”. Uma delas é a construção de uma grande estátua.

Clique aqui para conferir a peça ou aqui para ver as demais cenas.

Fontes:

[1] Ramesses II colossus discovered in old Heliopolis. Disponível em < http://luxortimesmagazine.blogspot.com.br/2017/03/ramesses-ii-colossus-discovered-in-old.html >. Acesso em 09 de fevereiro.

Egipto recupera del fango dos grandes estatuas de la época ramésida. Disponível em < http://www.abc.es/cultura/abci-egipto-recupera-fango-grandes-estatuas-epoca-ramesida-201703091530_noticia.html >. Acesso em 09 de fevereiro.

[2] Officials deny any damage to newly-discovered king Ramses II statue during excavation. Disponível em < http://www.egyptindependent.com/news/officials-deny-any-damage-newly-discovered-king-ramses-ii-statue-during-excavation >. Acesso em 10 de fevereiro de 2017.

[3] Colossal 3,000-year-old statue unearthed from Cairo pit. Disponível em < http://edition.cnn.com/2017/03/10/africa/ramses-ii-ozymandias-statue-cairo/ >. Acesso em 10 de fevereiro de 2017.

[4] Zahi Hawass fires back at criticism of colossus’ salvation. Disponível em < http://luxortimesmagazine.blogspot.com.br/2017/03/zahi-hawass-fires-back-at-criticism-of.html >. Acesso em 10 de fevereiro de 2017.

[5] Comentários da Monica Hanna. Disponível em < https://www.facebook.com/monicahanna/posts/960545308686 >. Acesso em 10 de fevereiro de 2017.

Massive Statue of Ancient Egyptian Pharaoh Found in City Slum. Disponível em < http://news.nationalgeographic.com/2017/03/egypt-pharaoh-ramses-statue-discovered-cairo/ >. Acesso em 10 de fevereiro de 2017.

Estátua de Ramsés II encontrada no Cairo é uma das descobertas arqueológicas mais importantes da história. Disponível em < http://www.hypeness.com.br/2017/03/estatua-de-ramses-ii-recem-achada-em-uma-favela-do-cairo-e-uma-das-descobertas-arqueologicas-mais-importantes-da-historia/ >. Acesso em 10 de fevereiro de 2017.