A versão digital do livro “Coffin Commerce: How a Funerary Materiality Formed Ancient Egypt” da egiptóloga Kara Cooney está gratuito para baixar até o dia 2 de Junho. Publicado pela Cambridge Elements, o livro discute aspectos funerários do Egito Antigo, especificamente sobre os ataúdes (que aqui no Brasil se popularizou chamar de “sarcófagos”), apontando questões econômicas em relação à morte no Egito Antigo.
Infelizmente muitos dos melhores livros de egiptologia estão em língua estrangeira, contudo, possuímos alguns exemplos raros de bons livros traduzidos. Aqui no Arqueologia Egípcia temos uma lista com dicas. Clique aqui e confira.
No dia 3 de outubro (2020) o Ministério de Turismo e Antiguidades do Egito realizou uma conferência de imprensa em Saqqara, terra que os egípcios há mais de 2000 anos transformaram em cidade dos mortos e a qual hoje é uma das paisagens arqueológicas mais importantes do país.
Naquele dia ele anunciou para uma plateia ansiosa que uma equipe de arqueologia do Supremo Conselho de Antiguidades do país tinha desenterrado um total de 59 ataúdes (sarcófagos, como se habituou a chamar aqui no Brasil). Descoberta essa que deixou muitos egiptólogos extremamente animados, mas muitas pessoas na internet levantando várias especulações e mitos.
Para te deixar atualizado de tudo o que ocorreu, separei 7 pontos importantes a ver com essa descoberta:
1 – Saqqara foi durante o início da era dos faraós parte da capital do Egito e após perder o seu posto tornou-se uma cidade de grande importância religiosa, além de possuir uma das mais significativas necrópoles do país. É lá onde, inclusive, está a mais antiga pirâmide do Egito: a Pirâmide de Djoser;
2 – Os sarcófagos não foram encontrados em uma única tumba, mas em diferentes poços funerários: todos eles foram encontrados divididos em três diferentes poços, cuja profundidade varia entre 10 e 12 metros. Ou seja, o Ministério de Turismo e Antiguidades somaram as descobertas;
3 – Não é a primeira vez que vários sarcófagos foram encontrados juntos: uma descoberta desse tipo ocorreu no final de 2019 em Luxor, onde 30 sarcófagos foram localizados. Outra foi a do esconderijo das múmias de Deir el-Bahari, no século XIX, onde mais de 40 múmias foram encontradas, mas infelizmente muitas delas já tinham sido saqueadas por ladrões de tumbas. Temos vídeos sobre ambas essas descobertas:
4 – Todos esses sarcófagos estão lacrados, o que permitirá reunir muitos detalhes sobre a vida no Egito Antigo. Mas, é preciso salientar que “lacrado” não quer dizer “trancado”. Quer dizer que ele está fechado exatamente como foram deixados há mais de 2000 anos e que os corpos não foram perturbados por ladrões de tumbas;
5 – Os corpos, ao contrário dos muitos boatos levantados na internet, não serão desenfaixados. Quando um sarcófago com uma múmia é encontrado de fato o sarcófago é aberto, mas a múmia em seu interior não é mexida. O que é feito é ver a integridade das bandagens e se precisa de algum restauro. Mas, se existir a necessidade de ver o que tem dentro da múmia, um tomógrafo ou um raio-x é utilizado (são muito raras as exceções em que uma múmia precisa ser desenfaixada).
6 – Outro boato que surgiu é que essas múmias irão para museus europeus. Porém, há décadas o governo egípcio proíbe que arqueólogos e governos estrangeiros retirem artefatos arqueológicos do país. O máximo que ocorre é serem emprestados para exposições temporárias e seguindo uma série de regras;
7 – E não! Não existe risco de liberar vírus antigos ou epidemias ao abrir sarcófagos egípcios! Isso é mito! A temperatura do Egito não propícia que isso ocorra.
Quer saber mais detalhes sobre cada um desses pontos? Assista ao vídeo que gravei para o Arqueologia pelo Mundo:
Uma missão coordenada pelo Instituto Francês de Arqueologia Oriental e pela Universidade de Estrasburgo descobriu três ataúdes de madeira no pátio do túmulo de uma pessoa chamada Padiaménopé[1] (TT 33), em Tebas.
Estes caixões são datados da 18ª Dinastia, Novo Império, e estão em um ótimo estado de conservação.
Um deles pertence a uma mulher chamada Ti e mede 1,95 m, o outro pertence a uma mulher chamada Rau e possui 1,90 m. Já o terceiro caixão o sexo do seu dono ainda não foi esclarecido para a imprensa, mas possui 1,80 m.
Como é de se esperar, todos os caixões possuem ilustrações com motivos religiosos e embora sejam desenhos simples, possuem cores vibrantes.
Não foram dadas informações sobre qual será o destino destes ataúdes, se irão permanecer em um armazém ou irão compor a exposição de algum museu. Igualmente não foi dito se eles guardam alguma múmia.
[1] O seu sexo e época em que viveu não foram apontados.
Quando os primeiros exploradores europeus chegaram ao Egito em busca dos seus tesouros arqueológicos — fossem eles estátuas, imagens parietais, sarcófagos e, claro, joias — descobriram que todas as tumbas reais tinham sido saqueadas em algum momento da antiguidade[1]. Desta forma, foi uma surpresa quando nas décadas de 1870-80 artefatos com nomes de faraós e alguns dos seus parentes começaram a aparecer no mercado de antiguidades (DAVID, 2011).
Os registros dessa época somente passam uma ideia geral dos acontecimentos, mas, temos ciência de que a polícia egípcia, após algumas investigações, chegou até um homem chamado Ahmed Abd er-Rassul, que àquela altura era suspeito de violar sepulturas antigas (O’CONNOR et al, 2007).
Ahmed em frente a tumba. Foto disponível em REEVES, 2008.
Apesar de ter sofrido um duro interrogatório — que incluiu tortura — Ahmed negou a acusação. Porém, um parente seu, um senhor chamado Mohamed, o denunciou para as autoridades e revelou de onde estavam saindo os artefatos: eles tinham sido encontrados dez anos antes, em 1871, em uma sepultura da época dos faraós, que possuía vários corpos (HAGEN et al, 1999; O’CONNOR et al, 2007; DAVID, 2011). A revelação foi um grande choque, em especial porque quando os arqueólogos entraram no lugar descobriram que dentro dos caixões estavam pouco mais de 40 múmias [2] e algumas delas eram as de grandes personalidades do passado tais como Ahmés-Nefertari, Seti I e Ramsés II (O’CONNOR et al, 2007).
A sepultura, cujo dono é desconhecido — parte dos egiptólogos estão divididos entre Inhapi ou Ahmose Merytamen —, foi construída próximo ao templo mortuário da faraó Hatshepsut, em Deir el-Bahari, literalmente do outro lado do Vale dos Reis e possui dois corredores e duas câmaras. Por conta da sua localização a priori foi catalogada como DB320 (Deir el-Bahari 320), mas na atualidade ela é chamada de TT320 (Tumba Tebana 320).
Ilustração representando Gaston Maspero em frente da tumba.
Localização da sepultura do ponto de vista dos templos mortuários de Hatshepsut e Mentuhotep. Fonte: Wikimedia.
Entrada da TT320. Fonte: Wikimedia.
Apesar da magnitude do achado o arqueólogo responsável pela remoção dos corpos e dos artefatos, Emil Brugsch (1842 – 1930), não realizou nenhum registro do sítio (O’CONNOR et al, 2007), algo que é impensável nos dias de hoje. Isso acaba comprometendo as análises futuras e consequentemente retira as chances de conseguir respostas para questões feitas atualmente acerca do sepulcro e das múmias e artefatos depositados lá dentro.
Entrando na Sepultura:
Para entrar no tal sepulcro, Brugsch precisou descer um poço com uma corda e passar por uma abertura com cerca de um metro de altura. O primeiro ataúde que viu pertencia a um sumo-sacerdote e mais adiante encontrou mais outros três. Necessitou avançar passando por um corredor com algumas pequenas antiguidades e seguiu por um pequeno lance de escadas até uma saleta. Foi lá que, sob a luz de velas, encontrou enormes ataúdes e em alguns deles com o nome de grandes faraós. Mais tarde ele declarou:
“Percebi a situação com o ofego e apressei-me a sair ao ar livre a fim de não me deixar vencer pelo o que via e que o glorioso achado, ainda não revelado, se perdesse para a ciência” [3] (O’CONNOR et al, 2007, p. 23).
Após esta saleta existe mais um corredor que leva até a câmara mortuária onde estavam mais corpos.
Temendo mais saques ele contratou cerca de 300 homens e embarcou todos os objetos em embarcações com destino ao Cairo. Mas, não foi uma viagem silenciosa: ao longo do Nilo homens atiravam com seus rifles para o céu e as mulheres lamentavam alto, um sinal de respeito e luto pelos antigos governantes falecidos. Já no Cairo a resposta foi menos respeitosa: na alfândega o funcionário responsável pelo recebimento da carga registrou as múmias como ” peixe seco” (O’CONNOR et al, 2007).
Autópsia e análise das múmias:
Tempos depois da chegada dos corpos, Gaston Maspero (1846 – 1916), supervisor geral do Serviço de Antiguidades, liberou as autópsias — que no caso das múmias é o que chamamos comumente de “desenfaixar” —. O primeiro faraó a passar por esse processo foi Tutmés III. As bandagens do Rei já tinham sido perturbadas em outro momento pelos Abd er-Rassul, que fizeram um buraco no seu peito. Quando os arqueólogos abriram o restante do envoltório encontraram a múmia quebrada na área do pescoço e nas pernas (O’CONNOR et al, 2007).
Múmia de Tutmés III ainda coberta. Na área do seu peito está um buraco, feito por saqueadores.
Dias depois foi a vez de Ramsés II, que ao contrário do seu antecessor longínquo estava inteiro, em perfeito estado de conservação, inclusive contendo cabelos. Ramsés II tinha sido posto em um sarcófago de madeira que o identificava através de inscrições escritas em negro (O’CONNOR et al, 2007).
Primeiras notas sobre a múmia de Ramsés II. Fonte: Wikimedia.
A próxima múmia possuía um enorme sarcófago bem trabalhado. Descobriu-se que o grande artefato pertenceu à Rainha Ahmés-Nefertari. Porém, quando as bandagens foram retiradas do corpo o que se seguiu foi uma surpresa desagradável. Nas palavras do próprio Maspero:
“Mas, assim que o corpo foi exposto ao ar externo, desapareceu literalmente num estado de putrefação, dissolvendo-se numa matéria escura que exalou um odor insuportável” (O’CONNOR et al, 2007, p. 25).
Existem duas fotografias que nos mostram a múmia da rainha na época em que foi descoberta, mas o destino do corpo na atualidade é incerto. De acordo com um relato da época, por conta do mau cheiro a múmia foi sepultada no interior do Museu Egípcio. Algo que não foi confirmado na atualidade e nenhuma das bibliografias consultadas deu uma resposta definitiva.
Ahmés-Nefertari. Foto: E. Smith.
Sarcófago de Ahmés-Nefertari.
Ramsés III foi o próximo, contudo, o seu rosto estava coberto por um revestimento betuminoso que escondia suas feições (O’CONNOR et al, 2007). Nos últimos dez anos o rei passou por análise que apontam que antes da sua morte ele sofreu um ataque violento que certamente teria causado a sua morte [4].
Nos dias seguintes mais oito múmias da realeza foram desembrulhadas. O arqueólogo francês Eugène Lefebure escreveu sobre esse trabalho, enaltecendo as emoções da época: “Quase todas as múmias estavam cobertas com grinaldas secas e lótus murchos que tinham permanecido intocados durante milhares de anos, e não havia melhor forma de compreender a suspensão do tempo e o freio a decomposição que ver essas flores imortais sobre os corpos eternizados” e complementou ” era a imagem de um sono interminável” (O’CONNOR et al, 2007, p. 26).
Alguns dos corpos que se encontram no sepulcro não foram identificados, outros, porém, com o auxílio de métodos invasivos e não invasivos, foram relacionados com outras múmias reais, a exemplo do “Homem Desconhecido E”, identificado através de um exame de DNA como um dos filhos de Ramsés III. Abaixo está uma tabela apontando o número de múmias e seus respectivos nomes, quando possível:
Nome
Dinastia
Título
Observações
Ahmés-Inhapi
17ª
Rainha
Irmã de esposa de Seqenenre Tao II.
Ahmés-Henutemipet
17ª
Princesa
Filha de Seqenenre Tao II.
Ahmés-Henuttamehu
17ª
Princesa
Filha de Seqenenre Tao II.
Ahmés-Meritamon
17ª
Princesa
Provavelmente filha de Seqenenre Tao II.
Ahmés-Nefertari
18ª
Rainha
Ahmés-Sipair
17ª
Principe
Provável filho de Seqenenre Tao II ou Ahmose I.
Ahmés-Sitkamose
17ª
Princesa
Provavelmente filha de Kamose, é possível que tenha casado com Ahmose I.
Amenhotep I
18ª
Faraó
Ahmose I
18ª
Faraó
Baket/Baketamon?
18ª
Princesa
Djedptahiufankh
21ª
Quarto Profeta de Amon
Casou com a filha de Pinudjem II e Neskhons, Nesitanebetashru.
Duathathor-Henuttawy
21ª
Rainha
Esposa de Pinedjem I
Isetemkheb
21ª
Chefe do harém de Amon-Rá
Irmã e esposa de Pinedjem II.
Maatkare
21ª
Esposa Divina de Amon
Filha de Pinedjem I.
Masaharta
21ª
Sumo Sacerdote de Amon
Filho de Pinedjem I.
Nebseni
Neskhos
Nesitanebetashru
21ª
Rainha
Esposa de Djedptahiufankh.
Nodjmet
21ª
Rainha
Esposa de Herihor.
Pinedjem I
21ª
Sumo Sacerdote de Amon
Pinedjem II
21ª
Sumo Sacerdote de Amon
Rai
18ª
Enfermeira Real
Enfermeira de Ahmés-Nefertari.
Ramsés II
19ª
Faraó
Ramsés III
20ª
Faraó
Ramsés IX
20ª
Faraó
Seqenenre Tao II
17ª
Faraó
Seti I
19ª
Faraó
Siamon
18ª
Príncipe
Filho de Ahmés-Nefertari e Ahmés I.
Sitamon
18ªª
Princesa
Filha de Ahmés e irmã de Amenhotep I
Tayuheret
21ª
Cantora de Amon
Possível esposa de Masaharta.
Tutmés I
18ª
Faraó
Tutmés II
18ª
Faraó
Tutmés III
18ª
Faraó
Desconhecido
Desconhecido E
Desconhecida
Possivelmente rainha Tetisheri, mãe de Tao II, Ahmose Nefertari e possivelmente Kamose.
Desconhecida
Desconhecido
Desconhecido
Desconhecido
Desconhecido
Tabela realizada de acordo com REEVS, 2008 e RICE 1999.
Resquícios de outros indivíduos, tais como sarcófagos, vasos canópicos, joias, etc, foram identificados espalhados pela tumba. Tudo o que foi encontrado posteriormente a denúncia de Mohamed encontra-se hoje no Museu do Cairo. Entretanto, os objetos saqueados pelos Abd er-Rassul jamais foram recuperados. Provavelmente atualmente estão em alguma coleção particular ou na galeria de um grande museu identificado como possuindo “procedência desconhecida”.
Referências bibliográficas:
DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito (Tradução de Angela Machado). Rio de Janeiro: Difel, 2011.
MARIE, Rose; HAGEN, Rainer. Egipto (Tradução de Maria da Graça Crespo). Lisboa: Taschen, 1999.
O’CONNOR, D.; FORBES, D.; LEHNER, M. Grandes civilizações do passado: terra de faraós. Tradução de Francisco Manhães. 1ª Edição. Barcelona: Ed. Folio, 2007.
REEVES, Nicholas; WILKINSON, Richard. The Complete Valley of the Kings. London: Thames & Hudson, 2008.
RICE, Michael. Who’s Who in Ancient Egypt. 1ª Edição. Londres: Editora Routledg. 1999.
[1] Foi somente no início do século 20 que este quadro mudou com a descoberta da tumba do faraó Tutankhamon e parte do acervo fúnebre de Psusenes I
[2] Contando aqui tanto os corpos inteiros, como partes, como são o caso dos órgãos dentro dos vasos canópicos.
[3] Ele declarou isso possivelmente com medo de que as velas que o grupo carregava pudesse causar um incêndio.