Cemitério revela picos de atividade sexual no Egito há 1.800 anos atrás

 

 

Tradução de João Carlos Moreno de Sousa | Blog Arqueologia e Pré-História | Comentários em itálico/negrito de Márcia Jamille Costa | @MJamille

O texto a seguir apresenta as pesquisas realizadas nos cemitérios romanos do oásis Dakhla (Em inglês, “Dakhleh”) e algumas das informações que eles podem fornecer não somente acerca dos índices populacionais e das estimativas do número de mortes de cada gênero, mas dando detalhes acerca das concepções de crianças e até da política governamental (no caso daqui a não prestação de contas para a arrecadação de impostos). O que é mais relevante nesta pesquisa é a preocupação em entender as populações oasitas, tema que é de discussão pouco comum na Arqueologia Egípcia e que consequentemente gera pouca bibliografia. Obrigada ao Joaõ Carlos por disponibilizar a tradução – que está disponível no seu site – da notícia para a publicação aqui no A.E.

 

O período de pico para sexo reprodutivo no antigo Egito era entre julho e agosto, quando o clima era mais quente.

Os pesquisadores fizeram a descoberta em um cemitério no Oasis Dakhleh, no Egito, cujos enterros datam de cerca de 1.800 anos atrás. O oásis fica cerca de 720 km a sudoeste do Cairo. As pessoas enterradas no cemitério viveram na antiga cidade de Kellis, com uma população de pelo menos vários milhares. Estas pessoas viveram em uma época em que o Império Romano controlou o Egito, quando o cristianismo foi se espalhando, mas também quando as crenças religiosas egípcias tradicionais ainda eram fortes.

Restos do templo de Kellis, Dakhla. Imagem disponível em < http://www.livescience.com/32067-ancient-egypt-cemetery-photos.html >. Acesso em 05 de junho de 2013.

Até agora, os pesquisadores descobriram 765 sepulturas, incluindo os restos de 124 indivíduos que datam de entre 18 e 45 semanas após a concepção. O excelente estado de preservação permite que pesquisadores datem a idade dos restos mortais. Os pesquisadores também poderiam apontar o mês de morte, assim como os túmulos eram orientados na direção do sol nascente, algo que muda previsivelmente ao longo do ano.

Os resultados, combinados com outras informações, sugerem que o período de pico de nascimentos no local era entre março e abril, e o período de pico de concepções entre julho e agosto, quando as temperaturas no Dakhleh Oasis pode facilmente chegar a mais de 40 graus Celsius.

O período de pico para a morte de mulheres em idade fértil também é entre março e abril (exatamente espelhando os nascimentos), indicando que um número substancial de mulheres morreram no parto.

 

Uma mulher adulta com um bebê (circulo vermelho) enterrado ao lado de suas pernas. Ambos foram encontrados em Dakhla. Imagem disponível em < http://www.livescience.com/32067-ancient-egypt-cemetery-photos.html >. Acesso em 05 de junho de 2013.

 

Apesar das tentativas feitas no passado para reunir os antigos padrões de nascimento egípcio usando registros do censo, os pesquisadores dizem que esta é a primeira vez que esses padrões foram determinados por olhar para os enterros.

“Ninguém nunca procurou por isso usando os indivíduos propriamente ditos, os aspectos biológicos do mesmo”, disse a pesquisadora-chefe Lana Williams, professora da University of Central Florida, em entrevista ao LiveScience.

A equipe apresentou sua pesquisa recentemente na reunião anual da Sociedade de Arqueologia Americana em Honolulu.

 

Sexo no verão

A concepção não atingia o pico nos meses de verão para outras culturas do Mediterrâneo antigo, observou Williams, acredita-se que o tempo quente teria abaixado a libido sexual e possivelmente a contagem de esperma.

No antigo Egito, no entanto, as novas descobertas indicam que em Kellis as concepções aumentaram mais de 20% acima da média anual do sítio.

O favorecimento reprodutivo no verão no Egito antigo pode ter sido devido a crenças tradicionais sobre a fertilidade e da inundação do Nilo. As pessoas que viviam no Oasis Dakhleh nos tempos antigos acreditavam que o rio Nilo era a fonte de sua água e que a inundação do Nilo, que ocorre no verão, era a chave para a fertilidade de suas terras.

 

Sepultamento de uma criança em Dakhla. Imagem disponível em < http://www.livescience.com/32078-ancient-egypt-cemetery-reveals-sex-season.html >. Acesso em 05 de junho de 2013.

 

“Mesmo que esta fosse uma comunidade cristã, sabemos que eles ainda estavam praticando, ou tendo essas crenças sociais, sendo a fertilidade mais elevada nos meses de julho e agosto”, disse Williams. “Temos relevos no templo local que mostram isso, a inundação anual do Nilo, que se celebra em Dakhleh”.

Ela acrescentou que a inundação anual do rio Nilo foi um evento central ao longo da história egípcia. “Este foi um aspecto muito forte de crenças sociais de fertilidade”, disse ela. “O Nilo é a dádiva do Egito – sem ela, não há realmente nenhuma maneira que essa civilização poderia ter sobrevivido através de 3.000 anos de história”.

Estes padrões de concepções e nascimentos provavelmente teriam continuado mais para trás em tempos antigos e ocorreram em outros locais do Egito, bem como, disse Williams. Na verdade, eles parecem ter também continuado em tempos relativamente modernos.

“Curiosamente, todo o caminho até os anos de 1920 e 1930, ainda vemos esta máxima de nascimento que ocorre no mesmo período [cerca de março e abril]”, disse Williams em relação aos registros de nascimento da Organização Mundial de Saúde que analisou o Egito rural.

Ruínas de Kellis, Dakhla. Imagem disponível em < http://www.livescience.com/32067-ancient-egypt-cemetery-photos.html >. Acesso em 05 de junho de 2013.

 

Proibições sexuais

Enquanto o verão é o horário nobre para egípcio antigo reproduzir, o período em torno de janeiro parece ter sido um ponto baixo, quando a concepção cai para 20% abaixo da média anual do sítio. A queda de bebês foi provavelmente devida à nova religião, o Cristianismo, que nos tempos antigos proibiu o sexo durante certos períodos, como durante o Advento e da Quaresma.

Os textos antigos indicam que os primeiros cristãos egípcios eram orientados a evitar relações sexuais “no sábado, no domingo, na quarta-feira, e na sexta-feira, nos 40 dias da Quaresma e antes que as outras festas em que se pode tomar a Eucaristia”, escreve Peter Brown, professor de clássicos na Universidade de Princeton, em seu livro “The Body and Society: Men, Women and Sexual Renunciation in Early Christianity” (Columbia University Press, edição de 2008).

O povo de Kellis pode não ter sido tão rigoroso como esses textos recomendam, mas a concepção cai a um ponto baixo em torno de janeiro, que está perto tanto do Advento quanto da Quaresma, apontou Williams.

 

Contraceptivos antigos

Os padrões também sugerem que algumas formas de contraceptivos antigos estavam em uso.

“Se você tem esse tanto de uma concepção bem padronizada, deve haver alguma forma de contracepção que estava acontecendo”, disse Williams, destacando que os textos de antigos egípcios médicos falam de vários métodos que eles acreditavam que agiram para evitar a gravidez.

Por exemplo, receitas de contraceptivos do Papiro Médico de Kahun, que datam cerca de 3.800 anos, incluíam esterco de crocodilo e mel em seus ingredientes. Não está claro a partir dos papiros sobreviventes exatamente como eles eram inseridos no corpo. Em um fragmento lê-se que para o mel devia “borrifar [ele] sobre seu ventre, isso deve ser feito na cama” (tradução por Stephen Quirke).

Williams disse que a perspectiva de ter que tomar remédio cheio de esterco, e ter relações sexuais com ele em você, provavelmente desanimava a relação sexual. “Apenas por aversão, ele provavelmente já funcionaria como contraceptivo”, disse Williams.

“O interessante é quando você começa a olhar para os ingredientes, o alto teor de ácido que teria no esterco de crocodilo, as qualidades antibacterianas do mel, ele provavelmente iria derrubar a possibilidade de gravidez, agindo como um espermicida”, disse Williams, acrescentando que não teria sido tão eficaz como os contraceptivos modernos.

 

Evitar o Fisco

Quando a equipe comparou os resultados da investigação com os registros do censo romano, eles descobriram que os registros estavam um pouco distantes, indicando maio e junho como o pico máximo de nascimentos.

Como os registros do censo foram amarrados à tributação, as pessoas que vivem no Egito Romano parecem ter adiado seus registros.

“Nós não queremos pagar nossos impostos até o último momento, então não vamos fazer isso, vamos adiar a apresentação desse documento até que tenhamos que faze-lo”, disse Williams, especulando sobre o motivo que teria adiado os registros de  nascimentos. Para os antigos egípcios que vivem sob o domínio romano, parece que o sexo, o nascimento, a morte e os impostos foram todos ligados entre si.

FONTE: http://www.livescience.com/32078-ancient-egypt-cemetery-reveals-sex-season.html