A Barca Solar do faraó Khufu foi transferida para o Grande Museu Egípcio: conheça todos os detalhes!

Por Márcia Jamille Costa | @MJamille

Para vocês que me seguem nas redes sociais, não é surpresa alguma que a Barca Solar do faraó Khufu tenha sido transferida da área arqueológica das pirâmides do platô de Gizé durante uma pequena, mas solene, passeata para o Grande Museu Egípcio (GME), a 8,5 km de distância. Essa notícia, ao contrário do que ocorreu durante o desfile das múmias reais, foi recebida com mais timidez pelos veículos de imprensa, mas isso não diminui a importância do feito, que teve a duração de 48 horas. Todo o processo de transferência teve início no dia 5 de agosto e só teve fim na manhã do dia 7. 

Khufu Boat Museum, Giza, Egypt.

A embarcação, que tem 43,6 metros de comprimento, 5,9 metros de largura e 45 toneladas, foi posta dentro de um enorme caminhão e saiu do seu local original, no Museu da Barca Solar, que fica ao lado da Grande Pirâmide e seguiu para o seu novo destino, chegando ao Grande Museu Egípcio nas primeiras horas da manhã. 

Mas, afinal, que barco é esse? Por que o Egito está dando tanta importância para ele?

A Barca Solar de Khufu é uma embarcação em madeira que possui mais de 4.600 anos, ou seja, é uma das mais antigas, se não a mais antiga do mundo. Ela foi encontrada desmontada dentro de um fosso escavado ao lado da Grande Pirâmide (sepultura de Khufu) em 1954. Não se sabe exatamente o motivo dessa embarcação (e uma “gêmea” dela, enterrada em um segundo fosso) ter sido sepultada ao lado da pirâmide. Alguns acadêmicos sugerem que ela fez parte de uma frota pessoal do faraó, outros acreditam que ela tem um valor simbólico. Isso porque os antigos egípcios acreditavam que o deus sol navegava pelo céu usando uma barca, fazendo assim a mudança do dia para a noite e vice-versa.

A descoberta e restauro:

A descoberta foi feita durante uma limpeza de rotina nos arredores da Grande Pirâmide. A princípio a equipe tinha pensado se tratar de algum muro que um dia cercou a sepultura, mas, após escavações coordenadas pelo arqueólogo Kamal El Mallakh, descobriram que na verdade estavam olhando para dois fossos. E essas estruturas continham, cada um, um amontoado de madeiras de cedro: eles tinham acabado de encontrar duas barcas pertencentes ao faraó Khufu (O’CONNOR et al., 2007).

Restauro do primeiro barco de Khufu (ano desconhecido). Disponível em < http://skunkincairo.blogspot.com/2007/05/solar-boats.html> acesso em 25 de Junho de 2011.

O passo seguinte foi pensar no trabalho de restauro e montagem, então o restaurador egípcio Hag Ahmed Youssef Moustafa foi o escolhido para a empreitada. E também foi decidido que somente uma das barcas (a Khufu I) seria retirada, enquanto a outra permaneceria em seu local original.

2ª Barca solar de Khufu será revelada

Quando os pesquisadores retiraram todos os pedaços da embarcação, tomaram uma surpresa: ela foi montada com 1224 peças de madeira, cordas de linho e esteiras de junco. Tudo material orgânico, o que tornaria sua conservação um desafio.

No final, sua montagem durou dezesseis anos.   

O polêmico museu e a transferência

Com a embarcação finalmente montada, ela foi posta em exposição em um museu construído exclusivamente para ela, sobre o fosso onde esteve por séculos (O’CONNOR et al., 2007). Entretanto, o Museu da Barca Solar foi alvo de críticas por anos, porque “estragou” a paisagem arqueológica da região, além de não possuir os equipamentos necessários para manter a segurança do grande artefato e sua manutenção. Sobre esse último era imperativa a sua retirada para um lugar devidamente climatizado e com a presença de laboratórios de restauro, já que a madeira da embarcação estava começando a se deteriorar, o que tornava urgente seu envio para o Grande Museu Egípcio. Após a aprovação do Comitê Permanente de Antiguidades do Egito Antigo e seguindo a Lei de Proteção às Antiguidades, a transferência do barco foi aprovada [1]. 

Os estudos e debates sobre como ocorreria a transferência se seguiram por cerca de um ano. Cogitou-se, a princípio, desmontar toda a embarcação e remontá-la no GME. Porém, essa ideia se mostrou arriscada. Depois de muita discussão foi visto que mover o barco inteiro era a única solução adequada. 

Depois veio a proposta de se usar um veículo especializado controlado remotamente que foi encomendado diretamente da Bélgica. Ele contém uma tecnologia que absorve vibrações e se adapta às mudanças no terreno [4]. Isso foi feito usando um transportador modular autopropelido (SPMT) e exigiu levar em consideração vários fatores locais, a exemplo da velocidade do vento durante a manobra da relíquia até a gaiola e da gaiola até o caminhão [3]. Ou seja, teve muita ciência envolvida, onde arqueólogos e engenheiros colaboraram entre si.

Foto: Besix-Orascom Construction

Mas, antes da ideia ser posta em prática, três simulações foram realizadas nos últimos meses, para garantir que tudo funcionasse [1] e uma empresa de engenharia, a Besix-Orascom Construction (responsável pela construção do Grande Museu Egípcio), foi contratada para organizar e realizar o transporte que foi feito em meio a rígidas medidas de segurança. 

A barca então foi envolvida como espumas científicas especiais e colocada dentro de uma gaiola de ferro, projetada exclusivamente para ela, para resguardá-la durante o transporte [1], amortecendo qualquer impacto que viesse a ocorrer durante o trajeto.  

Durante a transferência, ruas e pontes foram preparadas e fechadas para a passagem do caminhão que continha a carga preciosa [1][2]. O caminho não é longo, mas ele teve que ser feito lentamente, para proteger a frágil carga de danos. Assim, só a viagem de um museu para o outro durou dez horas, tendo início na sexta à noite e terminando na manhã do sábado [4].  

Foto: Besix-Orascom Construction

Já para colocar a embarcação dentro do novo museu foi uma nova jornada: um guindaste, normalmente utilizado para mover pontes, sobre esteiras de 800 toneladas levantou a gaiola a uma altura de 30 metros para que ela pudesse entrar no edifício pelo telhado e o barco ser instalado em seu novo lugar de exibição [3]. 

Foto: Besix-Orascom Construction

Essa embarcação estará em exibição ao lado de sua gêmea (que foi retirada de seu fosso em 2011), que já está no Grande Museu Egípcio. E tem mais novidades vindo por aí, já que o governo egípcio planeja realizar uma cerimônia de inauguração do barco no novo museu, mas uma data ainda não foi definida. 

Dica de leitura:

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Fontes:

[1] Khufu’s Boat to begin long journey to Grand Egyptian Museum. Disponível em < https://english.ahram.org.eg/NewsContent/1/64/418527/Egypt/Politics-/Khufus-Boat-to-begin-long-journey-to-Grand-Egyptia.aspx >. Acesso em 6 de agosto de 2021. 

[2] King Khufu’s boat to be transferred to GEM Today. Disponível em < https://lomazoma.com/breaking-news/8781553.html >. Acesso em 6 de agosto de 2021. 

In Photos: Egypt transports King Khufu’s first boat to Grand Egyptian Museum. Disponível em < https://english.ahram.org.eg/NewsContent/1/64/418538/Egypt/Politics-/In-Photos-Egypt-transports-King-Khufus-first-boat-.aspx >. Acesso em 7 de agosto de 2021. 

[3] Egyptian engineers harness bridge transport methods to move world’s oldest ship. Disponível em < https://www.newcivilengineer.com/latest/egyptian-engineers-harness-bridge-transport-methods-to-move-worlds-oldest-ship-12-08-2021/ >. Acesso em 12 de agosto de 2021. 

[4]Why King Khufu’s Solar Boat Is on the Move After 4,600 Years. Disponível em < https://www.smithsonianmag.com/smart-news/egypts-ancient-king-khufus-boat-moved-pyramids-giza-new-grand-egyptian-museum-180978413/ >. Acesso em 12 de agosto de 2021. 

BESIX-Orascom Construction: Successful Transport of the King Khufu Solar Boat to the Grand Egyptian Museum. Disponível em < https://press.besix.com/besix-orascom-construction-successful-transport-of-the-king-khufu-solar-boat-to-the-grand-egyptian-museum- >. Acesso em 25 de agosto de 2021. 

MARIE, Rose; HAGEN, Rainer. Egipto (Tradução de Maria da Graça Crespo). Lisboa: Taschen, 1999.

O’CONNOR, D.; FORBES, D.; LEHNER, M. Grandes civilizações do passado: terra de faraós. Tradução de Francisco Manhães. 1ª Edição. Barcelona: Ed. Folio, 2007.