No dia 28 de junho (2019), o Ministério das Antiguidades abriu para a visitação pela primeira vez um cemitério da nobreza/realeza do Médio Reino. Porém, este não é um cemitério qualquer: trata-se do que se encontra no entorno da pirâmide do faraó Senwosret II (12ª Dinastia), mais conhecida como Pirâmide de Lahun, em Fayum, que também foi aberta para visitação.
Foto: Vincent Brown
Esta pirâmide foi construída com tijolos de barro que cobrem um núcleo feito com paredes de pedra. Já seu revestimento é composto por pedra calcária de tura.
O local já tinha sido saqueado quando o primeiro explorador o adentrou na década de 1820. Anos mais tarde escavações com fins científicos ocorreram sob a coordenação do famoso arqueólogo Flinders Petrie (1853-1942). Mas, por conta de sua profundidade limpar os corredores e poços desta pirâmide nunca era tarefa fácil. Ainda assim, foi encontrado um par de ossos de pernas, o qual alguns acreditam que possam ser do faraó.
Foto: Vincent Brown
A última vez que a pirâmide tinha sido analisada foi em 1989, mas só quase 30 anos depois os egípcios assumiram um equipe e lá realizaram os trabalhos de conservação, incluindo a remoção dos detritos encontrados dentro dos seus corredores e da câmara funerária. Assim como a relocação das pedras outrora caídas nos corredores para a sua localização original, a instalação de um novo sistema de iluminação e placas de orientação para visitantes também foram postas.
Caso você tenha caído de paraquedas aqui neste post ou simplesmente não tem o habito de ler sites ou blogs: o Arqueologia Egípcia é um site dedicado a trazer textos, vídeos, fotos e notícias sobre as pesquisas relacionadas com o Egito Antigo. Aqui até existe uma aba especial dedicada às novidades. É lá onde se encontram as notícias sobre descobertas arqueológicas associadas com a história egípcia e foi de onde tirei as 9 pesquisas que foram tidas como as mais interessantes, chamativas e legais de 2017.
Contudo, antes de dar início a lista, devo explicar que usei o termo “melhores” no título para resumir as mais magnificas do ponto de vista não só dos acadêmicos, mas do público. Sou da turminha da Arqueologia que considera toda e qualquer descoberta arqueológica passível de ser interessante para o entendimento do passado. Abaixo, as descobertas selecionadas:
Uma equipe de arqueólogos encontrou, gravadas na parede de um fosso em Abidos, gravuras representando uma frota egípcia. No local, que fica próximo ao túmulo do faraó Sesostris III (Médio Império; 12ª Dinastia) foram contados nos desenhos 120 navios, desenhados sobre uma superfície de gesso. Alguns são bem detalhados, contendo informações como remos e timões.
Foto: Josef Wegner
Neste caso não se sabe quem fez estas gravuras, mas ao menos duas teorias foram levantadas: a de que foram feitas pelos próprios trabalhadores que construíram o fosso ou que tenha sido a ação de vândalos. É né… Vai que.
Esta provavelmente é uma das descobertas mais chocantes. Uma arqueóloga da Universidade de Manchester, em sociedade com a Missão Arqueológica Polaco-Egípcia, fez uma série de descobertas perturbadoras em Saqqara: eles encontraram corpos de crianças que parecem ter sofrido grave anemia, cáries dentárias e sinusite crônica.
Foto: Iwona Kozieradzka-Ogunmakin
Através dos seus estudos, a arqueóloga foi capaz de estabelecer que a criança mais jovem encontrada no cemitério tinha algumas semanas de idade e as mais velhas 12 anos, mas a maioria tinha entre três e cinco anos.
Esta foi um hype! A historinha é a seguinte: Uma missão egípcia-alemã, que está trabalhando em El-Mataria (Cairo), antiga Heliópolis, desenterrou partes de duas estátuas colossais da época ramséssida, no sítio arqueológico de Suq el-Khamis. A princípio acreditou-se que se trataria de Ramsés II, da 19ª dinastia, Novo Império, mas não passou muito tempo até que descobrissem que na verdade era Psamético I, que reinou como rei do Egito durante a 26ª Dinastia, Baixa Época.
A tumba de uma princesa egípcia foi identificada na pirâmide de Ameny Qemau (13ª Dinastia), na necrópole de Dashur. Nas escavações que revelaram a câmara funerária da princesa foram identificados um sarcófago mal preservado, bandagens e uma caixa de madeira contendo vasos canópicos. Inscrições na caixa indicam que os objetos pertenceram a ela, que por sua vez era uma das filhas do próprio Ameny Qemau.
Foto: MSA
Esta foi uma descoberta que não revelou para a imprensa tantos achados assim, somente informações básicas. Mas o público do site amou muito e compartilhou a notícia extensamente. Então ela está aqui marcando presença.
Na verdade, esta foi uma descoberta dupla em que a princípio tinha sido encontrada uma pirâmide datada do Segundo Período Intermediário, em Dashur e somente depois foi apontado que ela pertencia a um faraó praticamente desconhecido chamado Ameny Qemau.
Foto: Ministério das Antiguidades do Egito.
Porém, esta história não acaba por aqui: uma outra pirâmide pertencente a esse mesmo governante foi descoberta em 1957, também em Dashur.
Uma expedição conjunta entre a Universidade de Yale e o Museu Real de Belas Artes de Bruxelas, que está estudando a antiga cidade egípcia de El kab, descobriu inscrições hieroglíficas com cerca de 5200 anos. São as mais antigas conhecidas.
Foto: MSA.
Os arqueólogos também identificaram um painel de quatro sinais, criados por volta de 3250 aEC e escritos da direita para esquerda — é assim que usualmente os hieróglifos egípcios eram lidos — retratando imagens de animais tais como cabeças de touros em um pequeno poste, seguido por duas cegonhas com alguns íbis acima e entre eles.
Uma cabeça de uma estátua retratando um faraó tem intrigado alguns pesquisadores. Isso porque ela foi encontrada em 1995 em Israel na área da antiga cidade de Hazor. Outrora fragmentada ela retrata uma típica imagem de um faraó contendo, inclusive, a serpente ureus, que é uma das insígnias reais egípcias, ou seja, um dos símbolos que demonstram realeza.
Divulgação/Gaby Laron/Hebrew University/Selz Foundation Hazor Excavations.
Em outros anos outras estátuas egípcias também foram encontradas em Hazor e todas fragmentadas no que os pesquisadores concluíram como uma destruição deliberada.
Uma missão arqueológica — encabeçada por franceses e suíços — que atua em Saqqara encontrou a parte superior de um obelisco datado do Antigo Reino, pertencente à rainha Ankhnespepy II, mãe do rei Pepi II (6ª Dinastia).
Foto: MSA
Ankhnespepy II foi uma das rainhas mais importantes da sua dinastia. Ela foi casada com Pepi I e quando ele morreu casou-se com Merenre, o filho que o seu falecido esposo tinha tido com sua irmã Ankhnespepy I.
A missão arqueológica egípcio-checa descobriu restos do templo do faraó Ramsés II (Novo Império; 19ª Dinastia) durante os trabalhos de escavações realizados em Abusir.
Foto: MSA
A missão já tinha encontrado em 2012 evidências arqueológicas de que existia um templo nesta área, fato que encorajou os pesquisadores a escavar nesta região ao longo dos últimos quatro anos.
No início deste mês, dia 13, os arqueólogos Zahi Hawass e Mark Lehner realizaram uma cerimônia de assinatura do recém lançado livro “Giza and the Pyramids” (2017) na Universidade Americana no Cairo. Durante a ocasião Hawass aproveitou para comentar sobre a existência de um grande vazio na Grande Pirâmide de Khufu em Gizé, anunciado pelo time da Scan Pyramids. Ele explicou que este anúncio não é novo, nem mesmo uma descoberta.
Zahi Hawass. Retirado de: Jean-Claude Aunos Photographe. Disponível em < http://www.jca-photo.com/portraits.html> Acesso em 12 de Fevereiro de 2011.
Hawass acrescentou que o livro revela muitos segredos e responde questões relacionadas às pirâmides de Gizé, além das últimas teorias e estudos científicos sobre estes monumentos.
Na noite anterior ao lançamento ele recebeu um prémio da Euro-Mediterranean Partnership (EUROMED), concedido pela primeira vez a um egípcio. Esta homenagem é por seu papel na disseminação do conhecimento sobre o patrimônio egípcio em todo o mundo, incluindo a Europa e os países localizados em todo o Mar Mediterrâneo. Este é um dos grandes prêmios europeus dados a profissionais da área das artes e antiguidades, dentre outras.
Essa conclusão foi alcançada após o site Live Science entrar em contato com dois egiptólogos e apresentar a foto do bloco de alabastro com as inscrições: James Allen, professor de egiptologia da Universidade Browne e Aidan Dodson, pesquisador da Universidade de Bristol.
Ambos disseram que a inscrição no bloco é um tipo de texto religioso usado nas paredes das pirâmides e que o nome escrito é do faraó Ameny Qemau, quinto rei da 13ª Dinastia e que governou somente por dois anos. Outro egiptólogo, Thomas Schneider, professor de egiptologia e estudos do Oriente Próximo na Universidade da Colúmbia Britânica, também concordou com a conclusão dos colegas.
Foto: Ministério das Antiguidades do Egito.
Porém, esta história não acaba por aqui: uma outra pirâmide pertencente a esse mesmo governante foi descoberta em 1957, também em Dashur.
Os motivos para Ameny Qemau ter duas pirâmides é um mistério, mas Dodson, que é coautor de um artigo sobre a descoberta de 57, sugeriu que talvez ele tenha usurpado a segunda pirâmide encontrada. Ele se apoia na baixa qualidade das inscrições hieroglíficas que estão nos cartuchos, indicando que o escultor teve que escrevê-los sobre uma área que foi cinzelada (possivelmente para apagar o que existiu anteriormente lá).
O Ministério das Antiguidades do Egito anunciou que pesquisas ainda estão sendo realizadas na área.
Foi divulgada hoje (03/04/2017) a descoberta de uma pirâmide egípcia até então desconhecida datada da 13ª Dinastia (Médio Reino), em Dashur, próxima a uma das pirâmides de Snefru.
A tumba está sem a sua estrutura exterior, deixando sua parte interna exposta. Ela compreende um corredor que leva para uma câmara.
Foto: Ministério das Antiguidades do Egito.
No local também foi encontrado uma inscrição em um bloco de alabastro de 15 cm por 17 cm. Os hieróglifos ainda serão traduzidos e por foto já é possível ver que um nome de um(a) faraó está presente, mas os símbolos estão danificados.
Foto: Ministério das Antiguidades do Egito.
As pesquisas, realizadas por uma equipe egípcia, continuarão a ser feitas, inclusive para desenterrar mais estruturas.
Nos muitos livros e revistas dedicados a falar sobre a civilização egípcia sempre nos deparamos com a afirmativa de que o Egito só prosperou por conta das cheias do Nilo. Entretanto, raramente somos alertados de que para que elas pudessem ser aproveitadas de forma satisfatória canais foram construídos para distribuir a água e permitir o transporte de pessoas, animais, alimentos e matérias-primas por todo o país, assim como barragens de contenção eram utilizadas para evitar que as fortes cheias invadissem as residências.
Fora que é um pensamento muito simplista considerar que a arquitetura, independente da época, tem como única finalidade edificar abrigos ou edifícios belos. Ela, acima de tudo, é algo proposital, ou seja, independentemente do tamanho da obra, o seu planejamento necessitou de toda uma organização humana. Por esse motivo, não se pode ignorar que ela pode ser capaz de influenciar na percepção das pessoas em relação a uma determinada cultura, religião, figura política, etc.
Abaixo, compartilho um vídeo que gravei para o canal do Arqueologia Egípcia no Youtube (clique aqui para se inscrever) onde dou alguns exemplos do uso da Arquitetura como uma ferramenta de poder e como um discurso religioso. Também apresento alguns tipos de moradias e falo sobre a construção de túmulos:
Quando pensamos no Egito Antigo, não é incomum lembrarmos imediatamente das pirâmides ou dos túmulos do Vale dos Reis, como se a Arquitetura egípcia tivesse sido desenvolvida única e exclusivamente para atender a morte e o suposto fascínio que os egípcios possuíam por temas de cunho funerário. Resumir toda uma população de uma civilização que existiu por milênios a suposição de que todos eram indivíduos melancólicos ou obcecados com a ideia da morte é um erro. Atualmente é reconhecido que essas pessoas estavam mais interessadas em perpetuar a vida e tentar evitar a inevitável morte.
Imagem 1: Pirâmide em Deir el-Medina. Foto: WILDUNG, 2009.
Assim, a perspectiva de que através de ritos, amuletos e da própria arquitetura seria possível dar uma chance ao falecido de ingressar em um novo ambiente – uma pós vida – foi vista com muita consideração. No entanto, paralelamente a ideia de eternidade, foi um pensamento comum o de que uma vez que a vida após a morte seria infinita, não teria cabimento que o corpo do morto e a sua tumba fossem finitos. Por este motivo foi que a arquitetura tumular fez uso de matérias primas mais resistentes tais como pedras calcárias ou granito, enquanto que casas eram feitas com tijolos de barro.
Imagem 2: Cena disponibilizada pela Edições Del Prado, uma editora especialista em venda de modelos colecionáveis. Confira aqui outras imagens!
Seguindo um principio parecido era os templos egípcios, ao menos os principais, tais como os de Karnak, Luxor, Abu Simbel, etc.
Imagem 3: Foto aérea do templo de Karnak. Foto: National Geographic.
E ainda temos, claro, as moradias tanto das pessoas da realeza, como daquelas de fora dela. Em ambos os casos os materiais mais comuns utilizados foi o adobe e é exatamente por isso que não possuímos nenhuma amostra desse tipo de edificação totalmente de pé. Contudo, os antigos egípcios nos brindaram com uma extensa iconografia e muitas maquetes, algumas das quais utilizei como base para construir os modelos que apresento no vídeo que abre essa postagem.
Imagem 4: Representação de uma casa do Período Faraônico. Foto: STROUHAL, 2007.
Imagem 5: Reprodução de casa do Peíodo Faraônico.
Arquitetura egípcia é um tema muito amplo e que planejo retomar muito em breve apontando casos mais específicos. Lembrando que lá no canal já falei, por exemplo, do templo de Ramsés II em Abu Simbel. Clique aqui e assista.
Fontes:
BAINES, John; MALEK, Jaromir. Deuses, templos e faraós: Atlas cultural do Antigo Egito (Tradução de Francisco Manhães, Maria Julia Braga, Michael Teixeira, Carlos Nougué). Barcelona: Folio, 2008.
DODSON, Aidan. As Pirâmides do Antigo Império (Tradução de Francisco Manhães, Maria Julia Braga, Carlos Nougué). Barcelona: Folio, 2007.
KEMP, B. El Antiguo Egipto: Anatomía de uma civilización. Tradução de Mònica Tusell. Barcelona: Ed. Crítica, 1996.
STROUHAL, Eugen. A vida no Antigo Egito (Tradução de Iara Freiberg, Francisco Manhães, Marcelo Neves). Barcelona: Folio, 2007.
ZARANKIN, Andrés. Arqueología de la Arquitectura: modelando al individuo disciplinado em la sociedad capitalista. Revista de Arqueologia Americana. n. 22, 2003; p. 25-39.
WILDUNG, Dietrich. O Egipto: da pré-história aos romanos (Tradução de Maria Filomena Duarte). Lisboa: Taschen, 2009.